Lições de voyeur

Lições de voyeur

No último domingo, assisti ao documentário Voyeur, produzido pela Netflix, que, inclusive, tem aparecido com certa frequência nesta coluna, mas juro que é pelo conteúdo e nenhuma razão escusa ou comercial, ok? Retomo: o filme trata da produção do livro homônimo de Gay Talese, um dos principais expoentes do jornalismo literário, hoje com 85 anos. 

Em 1980, Talese recebeu uma carta anônima que revelava um segredo inusitado do remetente: ele seria dono de um motel nos arredores de Denver e havia instalado uma “plataforma de observação” para acompanhar os momentos íntimos dos clientes. Dizia ele ter presenciado situações das mais absurdas. Queria compartilhar, mas gostaria de permanecer no anonimato. Vinte anos depois, o personagem decidiu revelar a identidade e Gay Talese aceitou escrever sua história, divulgada em livro publicado em 2016. 

Ainda que não seja destinado exclusivamente a jornalistas, o documentário pode suscitar importantes reflexões aos profissionais da área, especialmente no que diz respeito à relação do repórter com a fonte e a confiança que se estabelece (ou deveria se estabelecer) nesse contato. Como confiar em tudo aquilo que alguém nos diz numa entrevista? E, pior ainda: como reproduzir o que foi dito por alguém com quem tivemos a afinidade superficial de apenas uma conversa?

Com tanto site publicando um mundaréu de notícias com rapidez, não é de se estranhar que ocorram falhas no processo. Vivemos um dilema diário para atender a todos os prazos e checar os dados a tempo de publicar algo que cinco minutos depois ainda não tenha sido noticiado por todos. Não levo em conta aí o “sem querer, querendo”, apenas lapsos legítimos. 

Em tempos de efemeridade jornalística, resgatar o cuidado e a dedicação necessários a um texto de qualidade para oferecer um conteúdo confiável me parece revigorar o modelo a que temos caminhado. Valem o documentário e a reflexão. Mas não apenas para jornalistas: sair por aí falando o que você ouviu de alguém sem checar a informação também é, ainda que em um grau ligeiramente menor, a prestação de um desserviço. 

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