Nem tanto ao ouriço, nem tanto ao gambá

Nem tanto ao ouriço, nem tanto ao gambá

Eu gosto bastante de desenhos animados, especialmente longa-metragem. Tem filme a que já assisti incontáveis vezes e não é por bobeira. É que realmente acho que muitos deles não são produzidos apenas para crianças: tem tanta, mas tanta construção de roteiro por trás, que a cada assistida, há uma nova descoberta. 

O melhor de ver esse tipo de produção, aparentemente uma distração infantil, é buscar as relações entre o que está nas telas e a realidade em que vivemos. Tudo, ou quase, pode ser entendido como uma metáfora contemporânea, especialmente se fizermos o esforço de estabelecer conexões entre a nossa realidade e a ficção. Eu juro que é muito possível associar as histórias de crianças à filosofia. 

No filme A Era do Gelo 4, o Scrat (um esquilo, fissurado por sua cobiçada noz) provoca, sem querer, a separação dos continentes – sim, uma exorbitância, mas completamente adequada ao contexto, explicando, alegoricamente, a disposição dos países como é hoje). Nesse cenário de tormenta, os protagonistas se veem em desespero e as mudanças assustam.
É quando dois gambás, sempre sorridentes, surgem brincando entre as árvores que começam a despencar diante da movimentação do planeta. Para os principais personagens da história, a agitação da terra é sinal de perigo, mas, para Crash e Eddie, tanto tremor não é tudo isso.

Vendo a alegria da dupla que se diverte em meio aos abalos terrestres, o ouriço, indignado, resolve questionar: - Como é que vocês dois estão tão felizes? Não sentem o peso de o mundo estar acabando?

Com notado orgulho, um dos gambás responde: - Posso contar nosso segredo? Nós somos muito burros!

Eita! Parece uma imensa bobagem de filme infantil, mas a teoria da felicidade aliada à ignorância está presente no prefácio do mais recente livro do filósofo Luc Ferry, em que cita Immanuel Kant: “Se a Providência quisesse que fôssemos felizes, não nos teria dado a inteligência”. E não é que pode ser verdade?

Defendo a teoria de que todos devemos estar sempre muito bem informados e de que o acesso à educação é a principal base para a construção de uma sociedade menos desigual e mais empática. Acontece que, como tudo na vida, é preciso saber administrar aquilo que surge em excesso.

Como editora de uma plataforma de notícias que publica, diariamente, média de 20 conteúdos diferentes, leio, basicamente, tudo o que está no ar, guardadas algumas exceções. Além do que está no Portal Revide, também leio reportagens de outros sites, textos de outros jornalistas e assisto a alguns telejornais pela TV. 

E como desligar a cabeça de tanta informação, ou de tanta, em geral, má notícia? É fato que estar conectada, o tempo todo, à dura realidade do Brasil, especialmente em tempos de discussões políticas, compromete minhas noções de esperança e reduz minha crença numa humanidade gentil e apaziguadora. O problema é que tão ruim quanto o excesso de desilusão é a falta de informação, extremamente útil na reversão desse terrível contexto.

Portanto, nem tanto ao ouriço, exageradamente preocupado com as perspectivas do futuro, nem tanto aos gambás, que fazem piada de todo e qualquer problema. O bom humor é fundamental, mas saber exatamente qual o motivo da piada é quase tão importante quanto rir. 

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