Parece mentira (e é)

Parece mentira (e é)

Com a campanha eleitoral batendo à porta e tanto boato circulando pela internet (em especial no WhatsApp), a Justiça brasileira decidiu tomar providências severas: em 27 de março, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) informou, em seu portal, que havia aberto procedimento para investigar a disseminação de notícias falsas na internet.

Para justificar a medida, o TSE citava um estudo da Associação dos Especialistas em Políticas Públicas do Estado de São Paulo (AEPPSP), que teria ranqueado os 10 sites que mais replicam fake news no país. Parecia perfeito, mas não era.

O ranking, em verdade, elencava as páginas da web que não revelam quem são os responsáveis pela produção dos conteúdos publicados. Soou como se, apócrifos, os sites automaticamente divulgassem notícias falsas. Embora eles sejam, sim, propensos à publicação de informações mentirosas, a falta de autoria não pode ser, simplesmente, classificada como fake news. 

Essa interpretação incorreta chegou ao Tribunal e a mais uma série de canais que replicaram a informação. O estudo, ajambrado pelo viés das notícias falsas, embasou a Justiça Eleitoral e deixou ainda mais evidente o mar de desconhecimento em que estamos imersos: nem mesmo as instituições que podem nos auxiliar no combate às mentiras estão imunes aos golpes das falácias na rede.

Depois do mal-entendido homérico, a AEPPSP retirou o estudo do ar e justificou a decisão. A Associação afirmou que, com a publicação do estudo, propôs uma reflexão sobre o fenômeno da pós-verdade e a dificuldade de diferenciar fontes confiáveis de informação, em meio a tantas publicações apócrifas, mas se propôs a revisar o material.

Um dos grandes catalisadores da propagação das fake news tem a ver com a emoção e a sensação que a mensagem desperta no interlocutor. Significa, grosso modo, que, se você gosta daquele conteúdo a que teve acesso, tem a tendência a acreditar e compartilhar – ainda que não seja verdade. 

O fenômeno da pós-verdade e o alto compartilhamento de mentiras na rede (a ponto de nem um tribunal ter certeza da informação que replica) pode ser justificado por uma frase: histórias importam mais que fatos.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, costumava dizer que os azulejos do quarto das crianças de seu clube, em West Palm Beach, haviam sido pessoalmente desenhados por Walt Disney. Quando ouviu a historieta, seu mordomo, Anthony Senecal, questionou o causo improvável: “quem se importa?”, respondeu o patrão. Para Trump, o que importava não era a veracidade, mas o impacto. Parece ser assim até hoje.

Em nosso Portal, implantamos com a seção Comprova, Revide, que tem por objetivo desmascarar os boatos que circulam pela rede. Ativa desde março, a iniciativa apresenta as histórias que são compartilhadas aos montes e esclarece se aquele conteúdo é real ou falso, justificando a conclusão.

A escola Donald Trump parece ter muitos alunos e a tentativa de combate às fake news tem cara de luta inglória. Cabe, aí, a máxima de Martin Luther King, quando afirmou que se preocupava não com o grito dos sem caráter e dos sem ética, mas com o silêncio dos bons. Omitir, nesse caso, pode ser um grande desserviço e, por menor impacto que a iniciativa tenha, cabe a nós selecionar as armas com as quais entraremos nesse combate. 

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