Você sabe com quem está falando?

Você sabe com quem está falando?

Não existe frase mais arrogante do que essa, em toda a face da Terra, eu sei. Em geral, o contexto em que ela é utilizada sugere a superioridade de quem fala diante do interlocutor. É uma maneira de ameaçar ou tentar exercer autoridade perante o outro, única e exclusivamente pela condição atual de vida. Desnecessário, claro, pois sabemos que uma série de argumentos e situações podem derrubar a tese. E, talvez pior: muitas vezes quem usa esse tipo de coação verbal tem menos razões para ser respeitado.

Apesar de toda a atmosfera negativa em torno da frase, o contexto aqui é outro. É, inclusive, literal. Em meio à disrupção na comunicação e às incertezas que pairam sobre o jornalismo, será que nós, profissionais de mídia e produtores de conteúdo, sabemos com quem estamos falando? Ou será que qualquer outra pessoa que se dedique a desbravar um debate nas redes sociais também tem noção de quem está do outro lado?

Uma das boas coisas da internet é aproximar quem está longe e permitir a troca de ideias entre pessoas situadas a quilômetros de distância, em tempo real. Gente que, muitas vezes, vive rotinas completamente opostas, com crenças igualmente distantes e contextos apartados. A vida e o entendimento de qualquer questão cotidiana são interpretados pela formação de cada um e, num país de tanta desigualdade como o nosso, é fato que haverá muita diferença de opinião entre os internautas que navegam pela rede – e que acessam os nossos sites, ou que discutem sobre qualquer tema social.

Talvez o questionamento sobre “quem está do outro lado” seja fundamentalmente importante para todos que trocam ideias on-line: praticar um pouco de empatia para tentar entender o ponto de vista do outro não faz mal a ninguém. Estudos indicam, no entanto, que um dos efeitos colaterais das redes sociais foi criar “bolhas” de conteúdo e opinião. Basicamente, isso significa que passamos a ignorar – ou, pior, xingar – quem pensa diferente e optamos por trocar ideias e fomentar nossa própria opinião junto daqueles que compartilham os mesmos pensamentos.

Danoso, e muito, para o desenvolvimento de uma sociedade democrática, afinal deixamos de exercer o raciocínio, analisando ideias opostas e passamos a viver no nosso próprio mundinho, apenas junto de quem, por exemplo, vota no mesmo partido – e o exemplo é o principal, uma vez que a política é um dos temas que mais favorece esse cenário de afastamento. 

Mas e para os meios de comunicação? Como se comportar no meio de todas as “bolhas”? Talvez a primeira pergunta a se fazer seja justamente a do título: você sabe com quem está falando? Segundo o jornalista americano Jeff Jarvis, por exemplo, estudioso da disrupção, conhecer a sua comunidade e entender o público com quem o veículo dialoga será fundamental para a sobrevivência do jornalismo em tempos digitais. Será que conseguimos compreender qual o nosso contexto, qual nosso público e com quem queremos conversar?

Claro que, em qualquer comunidade, mesmo que delimitada, as opiniões diversas estarão presentes e a unanimidade jamais será realidade. Mas, certamente, já passou da hora de pensar o que realmente o que as pessoas querem ler, ver ou ouvir, em vez de impor formas forçadas de interação ou despejar mudanças travestidas de inovações, sem tentar entender o que as pessoas precisam ou desejam saber, e de que forma gostariam de se informar. Tarefa dificílima num planeta tão plural, mas despender um pouco de atenção ao outro não é apenas ferramenta de pesquisa da comunicação – é, acima de tudo, um exercício humano. 

Ilustração: Pawel Kuczynski

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