N Vidas – sobre Amor, Luto e Redes Sociais

N Vidas – sobre Amor, Luto e Redes Sociais

Ano passado, por volta do mês de abril, eu escrevia um texto com o título “N Vidas”. A inspiração para o título e para o texto veio por causa da canção “Quantas Vidas Você Tem?”, de Paulinho Moska. A memória dessa canção (e desse texto antigo) veio à tona porque no final do mês de março o artista se apresentou em São Paulo, show esse que infelizmente não consegui ir por não ter conseguido comprar o ingresso a tempo.

Para quem não conhece, se trata de uma canção de amor, que fala sobre a dificuldade de se esquecer um amor:

“Porque ao longo desses meses
Em que eu estive sem você
Fiz de tudo pra tentar te esquecer

Eu já matei você mil vezes
Seu amor ainda me vem
Então me diga: quantas vidas você tem?”

Eu reli o texto, escrito há quase um ano atrás, e pensei comigo que o que mais tinha gostado nele foi o título... O título era, afinal, a resposta para a pergunta da música: N vidas. Fiquei pensativa nesses assuntos de amor, morte e luto, misturando ideias daquele antigo texto com umas ideias que andaram ocupando minha mente mais recentemente.

Certa vez uma colega comentava comigo sobre o ex-namorado e disse: “Depois que largamos, nunca mais tive notícias dele. Não sei nem se morreu.”. Eu me surpreendi com a fala dela. Pensei: Hoje em dia, nesse mundo que é tão conectado, parece tão difícil perder completamente o contato com alguém! Mesmo querendo, é algo que parece difícil de se levar à cabo... Mesmo não querendo saber nada da vida do outro, você acaba sabendo.

Outra vez ouvi alguém dizer que o Instagram era uma espécie de reserva de “contatinhos”. Eu ri. Afinal, não pude deixar de pensar que a ideia fazia sentido... Em um mundo em que é tão conectado, a despeito de tanta desconexão nas relações, nada melhor do que um depósito de possíveis relações à disposição para quando se sentir só ou insatisfeito.

Às vezes eu fico realmente pensativa em como somos afetados em nossas relações pelas redes sociais. E não só em nossas relações, como também no processo de rompimento das relações. Psicólogos e psicanalistas descreveram o processo de luto – processo esse vivido não só quando alguém morre, mas também quando uma relação morre. Há um consenso de que é um processo complexo e que só é possível de ser realizado quando se chegou a um determinado estágio de desenvolvimento.

Donald Winnicott, no livro Privação e Delinquência, chegou até a dizer assim sobre o assunto: "A maioria das pessoas conserta até um coração partido e encontra, relutantemente, novos interesses quando os antigos fracassaram" – sinalizando que não se trata de uma tarefa de solução rápida e fácil.

Eu me pergunto: Como é que fica o luto de uma relação nesse mundo tão conectado de hoje?

Quando eu penso nisso, eu tenho inveja dos antigos. Porque acho que um mundo menos conectado pode ser que facilitasse o luto. Explico: é difícil enterrar os mortos, quando os fantasmas estão à espera de um simples toque na tela do celular – esse aparelho que nos acompanha dia e noite e noite e dia, quase como um ego auxiliar. Eu penso que antigamente devia ser mais fácil porque os antigos lidavam mais com mortos do que com fantasmas. Todos eram como aquela minha amiga, cujo ex, morto ou não, morreu de uma vez em sua vida.

Hoje em dia as coisas se dão de um modo que não se permite que ninguém morra. Ou, ao menos, as redes dificultam bastante isso... O Instagram é um exército de fantasmas, prestes a fazer suas aparições. Há aparições inofensivas e há aparições venenosas. A maior parte você só saberá quando se deparar com ela, como num filme de terror em que você só descobre se foi pego de surpresa se for pego de surpresa.

Os antigos não precisavam lidar com tantos fantasmas e, sobretudo, não precisavam escolher entre matar ou não fantasmas. A minha amiga matou o fantasma do ex, bloqueando-o no Instagram. Morto ou não, ela o enterrou e seguiu sua vida. Mas há quem prefira seguir a vida, mantendo os fantasmas sempre à vista... Daí então, eu me pergunto:

Será que não se incomodam com fantasmas?

Será que preferem lidar com fantasmas do que com mortos?

Será talvez que prefiram coabitar com fantasmas do que conviver com outros vivos?

Será que o tal exército de fantasmas já não são mais fantasmas para eles, pois já os enterraram e, assim, continuam coabitando com seus mortos-vivos ou seus vivos-mortos como se fossem lembranças de um futuro inexistente?

Será ainda que estão à espera de que seus fantasmas ressuscitem e a falecida relação torne à vida?

Ou será que se tratam de relações que nem chegaram nascer? Portanto não há nem mortos nem fantasmas porque para eles não houve sequer nascimento?

Eu realmente não sei... Mas sei de uma coisa: prefiro lidar com mortos do que com fantasmas. Por mais que seja difícil dizer adeus e enterrar esses mortos.

Às vezes eu gosto de pensar em mim mesma como a personagem Rose do filme Titanic. Faça valer à pena – foi o que Jack disse a ela, sem saber que logo em breve iria morrer. Ela cumpriu a façanha, fez valer à pena sua vida, a despeito da morte do amante querido.

A despeito de minhas perdas, eu escolho fazer valer à pena a minha vida. Eu bloqueio os meus fantasmas, enterro os meus mortos e sigo, porque meu compromisso é comigo. Faço valer à pena, porque o amor perdido pode ter várias vidas (N = x), mas eu só tenho uma (N= 1)!

Então, me lembro dos outros versos da música e os ressignifico, cantando para mim mesma:

“Meu amor, vamos falar sobre o passado depois
Porque o futuro está esperando por nós dois
Por favor, deixe meu último pedido
[desejo] pra trás
E não volte pra ele nunca, nunca mais”

A canção de amor virou canção de luto, mas também de amor-próprio.

E assim, vou encerrando esse meu texto, homenageando esse artista que gosto tanto, Paulinho Moska, cujas canções já me atravessaram tão lindamente em outros momentos da minha vida, como aqui com "A Seta e o Alvo" e ali  com "A Idade do Céu". Encerro também o texto desejando a cada um de nós que, independentemente de quais forem nossos métodos:

Descansemos em paz com nossos mortos. E sigamos em paz com nossas vidas, que são únicas.

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