Qual é o propósito da tristeza?

Qual é o propósito da tristeza?

Se tem uma emoção que muitos temem entrar em contato é a tristeza. 

Não é à toa. A tristeza pode ser avassaladora e seus efeitos inclui: dor no corpo, queda de energia, desbotamento do mundo de fora e desidratação de tanto chorar. 

Agora eu posso dizer como é estar profundamente triste. Enquanto escrevo, sinto como se a tristeza pulasse dentro de mim como um cavalo selvagem tentando ser domado por uma pessoa sem experiência. 

Confesso que não conhecia muito este lugar de sofrimento e posso lhe assegurar que informação e conhecimento não minimiza a dor. No máximo, eles podem impedir estragos maiores, mas a dor é a mesma.

“Mamíferos”. Esta é a expressão do meu marido quando vê alguém chorar ou sofrer pelo outro. Quem sabe a empatia e seu poder de conexão tem alguma coisa a ver com o propósito da tristeza entre os seres vivos?

Não importa pensar nisso agora. Dói tanto lembrar o que aconteceu, que escrever faz com que a tristeza se aquiete no meu peito machucado, como se cada palavra a ajudasse atender uma necessidade de atenção e acolhimento. 

Estranho imaginar que a tristeza tem necessidades, mas a impressão que tenho é que estou embalando e sendo embalada por ela e escrever é um jeito de domá-la dentro de mim.  

Ao respeitar a sua vontade de expressão e atenção, permito me entrar em contato com a tristeza,... e como dói. 

Por mais que minha razão diga sim e leia toda uma cartilha de inteligência emocional traduzindo o que ela quer me dizer como a não aceitação, a frustração ou a dor provocada por algo não desejado, a tristeza, por sua vez, não me diz nada, simplesmente me revela tudo isso pelo sentir. E como dói. 

Vejo o quanto é compreensível pedir ajuda para a razão e escolher represar a tristeza em compartimentos fechados. A razão pode ser um cocheiro experiente em lidar com os cavalos selvagens da emoção. Será? 

 

Cada um é um.

 

Sinto na pele que tudo tem o seu momento: o de sentir, o de processar, o de transmutar, o de agir. Da mesma forma que o luto tem as suas fases: negação, raiva, barganha, depressão até chegar na aceitação e, com ela a libertação. Eu estou na fase de sentir e de me conectar com a tristeza.

Muitos preferem o isolamento, o distanciamento afetivo, a racionalização entre outros mecanismos de defesa contra o sofrimento. Estes, por sua vez, funcionam como uma forma do inconsciente mostrar que o indivíduo não tem recursos para lidar com o sofrimento. E é aqui que entra a vantagem do conhecimento, da terapia e do autoconhecimento. O que você acha que acontece com uma energia tão poderosa sendo represada dentro de você? Você acha saudável?

Não, não é. Impedir se de sentir a tristeza, pode deixa-la maior e mais destrutiva.

Por mais paradoxal que seja, quando o indivíduo não se permite sentir a tristeza, ela provoca ainda mais estragos. Semelhante a uma doença autoimune, que acredita que está defendendo o organismo, mas, na real, o está destruindo ainda mais. 

Por outro lado, cada um faz o que dá conta e a última coisa que uma pessoa triste precisa é de julgamentos e de conselhos. Cada um carrega a sua dor e lida com ela do seu jeito. 

 

Por favor...

 

“ Não pense mais nisso”, “vai passar”, “faz parte da vida”, “ você arruma outro”, “não chora” são algumas tentativas inabilidosas em lidar com a dor do outro.  

Super entendo a boa intenção, mas além de não demonstrar empatia, ainda dificulta  o outro encontrar o único caminho de cura e de libertação: o encontro com a tão desprezada e incompreendida tristeza. 

A escolha é simples: ou você escolhe sofrer muito agora ou você escolhe sofrer muito mais depois. 

 

“Nada do foi será de novo do jeito que já foi um dia.”

Como uma onda no mar, a tristeza pode aparecer de várias formas e causar diferentes experiências ou estragos. Ela pode vim devagar, molhar só os pés, te dar um caldo, ”aquela acordada”, ou, pior, levar o que você tem de precioso. 

Comigo a tristeza chegou como um tsunami, uma onda gigante que apareceu de repente e me levou o ser vivo mais especial que tive na vida: a Dara.  

Mergulhar na tristeza é ficar sem chão, rodando um pouco debaixo d’água e sem ar enquanto abre uma cratera no seu peito e você enxerga o vazio da lembrança dos momentos mais simples, doces e alegres que você teve com ela e que não farão mais parte do presente e nem do futuro. 

 A onda levou a Dara e a tristeza ficou em seu lugar para me mostrar que eu só a encontrarei na memória do passado (ou na dimensão sutil da qual ainda não tenho acesso). E é nesta hora que cada um faz o que dá conta. 

Eu escolhi mergulhar neste lugar de dor, como se fosse procurar a tristeza no fundo do poço e perguntar para ela qual é o sentido deste sofrimento. Em outras palavras, eu escolhi mergulhar na tristeza e sentir esta emoção com a intensidade que este momento de luto exige de mim. Como se minha dor fosse do tamanho do meu amor e como se este mergulho fosse a única forma de me libertar deste sofrimento.

 Mergulhar na tristeza é falar sobre a Dara no passado, como uma cachorrinha de espírito livre, carinhosa, inteligente e possessiva que adotei junto com meu marido. Ela adorava dar barriguinha, passear e fuçar lixo, ela apitava quando queria alguma coisa, nos olhava com meiguice e era uma super companheira que nos ensinou a amar de uma forma tão pura e incondicional que o nosso lar nunca mais será o mesmo. 

Mergulhar na tristeza é ficar olhando suas fotos, procurando sentir seu cheiro, apertar seu corpo e fazer carinho nos seus pelos. 

Eu escolho encarar a realidade, mesmo sem chão e com um buraco enorme que sua falta fará no meu coração. 

O que faço agora é somente sentir. E quando minha razão aparece para tentar descobrir o que a tristeza quer me mostrar ou qual é o seu propósito afinal, eu simplesmente saio deste lugar e volto para a emoção. 

Enquanto fico triste, eu ensaio para dizer sim, foco minha atenção à todas as memórias de alegria que tenho da Dara e torço para que a tristeza vá embora junto com as minhas lágrimas.

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