
Excesso de contatos
Você já viu o e-mail que te mandei? A pergunta do amigo vem com aquele tom de cobrança e a resposta negativa pode até ser motivo para abalar a amizade. Os seres humanos mais eficientes vivem com os olhos mergulhados no teclado, respondendo a tudo e a todos sem parar. No meio do turbilhão de posts e e-mails, aos poucos, a internet vai introduzindo uma suave escravidão on-line. Os cenários mais aterradores da indiferença virtual são as salas de espera dos aeroportos, consultórios e locais públicos. Nesses ambientes, eleva-se ao cubo o isolamento da raça humana. O cara do lado pode enfartar que ninguém verá.
A obsessão também já ultrapassa as raias da boa educação. Nas turmas de amigos que se reúnem nos finais de semana, uma maioria silenciosa não desgruda do aparelinho, fica o tempo todo recebendo e mandando mensagens. A gota d´agua, que feriu de morte as relações humanas, foi o onipresente celular com internet. Agora, quem não pode vir ao encontro do grupo manda uma mensagem dizendo que gostaria de estar ali. A fulana que faz parte da turma envia uma mensagem para contar que teve outro compromisso na agenda. E assim, o grupo presente se dispersa com a conversa virtual. Enquanto os conectados deslindam as mensagens que vão chegando, a legião dos desconectados contempla a paisagem do restaurante ou examina por diversas vezes o semblante do garçom. Bate-papo, só na sala da UOL.
E tem mais! O mundo nunca mais será o mesmo depois da invenção do bendito aplicativo. O top do momento, que todos precisam dar uma olhada, o wase, revela onde estão as blitz policiais da noite. A última novidade é o aplicativo que traz informações sobre o vinho que será servido neste fatídico jantar. Através do Vivino Wine Scanner, o conviva tira foto do rótulo, escaneia, e o aplicativo informa a procedência, a região de produção e a aceitação, substituindo os comentários daquele seu amigo que entende de vinho. Como ele não pode competir com um banco de informações da internet, tende a ficar calado, esperando uma nova oportunidade para se manifestar, ocasião que pode ou não acontecer naquela noite de pouca conversa e muitos acessos. Um aviso: se seus parceiros da noite estiverem conectados ao WhatsApp, o aplicativo de mensagens multiplataforma que permite trocar mensagens pelo celular sem pagar por SMS, você estará irremediavelmente condenado à solidão.
Virou um bombardeio, a tecnologia em todos os momentos da vida, no final de semana da família, na mesa do bar ou do restaurante, chegou ao ponto de saturação. Os cadastros, as mensagens edificantes que precisam ser repassadas, as propagandas virtuais, o e-mail do “amigo” que você não conhece e a mensagem do facebook não dão mais sossego nas 24 horas do dia e nos sete dias da semana. Nem nas férias o dependente da tecnologia fica sem a internet. Uma das últimas novidades é o Instagram, uma nova rede social para você conhecer. Em breve, as relações afetivas, as lembranças, a memória serão substituídas por algum software para que você não precise mais pensar ou lembrar. Seu nome e seu sobrenome já não são tão importantes. Se você não se cadastrou, não fez o login ou esqueceu a senha está perdido neste mundo dos bytes. Tornou-se irrelevante pagar as contas em dia se o software do seu computador estiver desatualizado. Para provar a sua idoneidade, precisa digitar aqueles caracteres esquisitos com letras quase indecifráveis. Se por um lapso de memória, errar três vezes a senha, pode ser incluído na lista dos criminosos virtuais que tentam fraudar o sistema. Como tem muita gente plugada o tempo todo, aquele avião que você vai pegar o mês que vem já está com quase todos os assentos marcados. Com esse check in antecipado, quando você chegar ao aeroporto, tranquilamente, empurrando o seu carrinho, corre o risco de entrar no overbook..
A tecnologia disponível hoje trouxe incontestáveis avanços e melhorias, mas seu uso excessivo, sem critérios, sem análise de relevância e de momento, está criando um mundo disperso, saturado de informações e com enormes perdas de sentido. O usuário da internet está virando uma máquina de enviar e responder mensagens, um ser distraído, absorvido pelas superficialidades e perdendo a capacidade de extrair o que a vida tem de mais precioso.