O Estado do Terceiro Setor

O Estado do Terceiro Setor

A caridade e a generosidade humana remontam à criação do mundo, pois a essência do Cristianismo repousa no amor ao próximo. Através dos tempos, esta sempre foi uma lição aprendida e desaprendida pelas sociedades de diferentes épocas. A solidariedade e a avareza são irmãs siamesas na história da humanidade, pois uma está sempre se sobrepondo à outra, dependendo da época, das regiões e das circunstâncias. O gigante Brasil é conhecido como um país solidário apesar das imensas e das graves omissões do Estado. Muitas caras antagônicas podem representar bem a realidade em que se misturam histórias de generosidade e de desemparo. Tem gente generosa que divide o pão escasso à mesa, enquanto os ingratos possuem coragem suficiente para abandonar o pai e a mãe à própria sorte.

Há alguns anos, um programa de TV, criado no começo dos anos 90, marcou época e ajudou a dar visibilidade a um setor que começava a ganhar envergadura. “O Gente que Faz” era um minidocumentário, de três minutos, exibido aos sábados no intervalo do Jornal Nacional. Pela força do horário nobre, talvez esse programa tenha sido o primeiro a mostrar bem a faceta mais generosa da imensa legião de brasileiros anônimos que encontrava na solidariedade o sentido de suas vidas. A expressão não existia na época, mas foi, por assim escrever, um case de marketing viral que contaminou o país positivamente. O patrocinador do programa era o Banco Bamerindus do Paraná que, semanalmente, contava a saga de heróis brasileiros que nas regiões mais distantes e inóspitas do país deixavam de lado a vida pessoal para doarem seus talentos a quem necessitava de ajuda. Em quatro anos, foram exibidos cerca de 230 programas. No encerramento, o programa tinha uma marca registrada: a professora fulana de tal de Fortaleza “é gente que faz”. Mais tarde o Bamerindus foi vendido e o programa terminou, mas as sementes da solidariedade continuaram a florescer.

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A solidariedade foi ganhando forma. Pelo país inteiro se multiplicaram ações individuais e coletivas de pessoas que passaram a se organizar para suprir a ausência do Estado na assistência social. Hoje, entidades, fundações, ONGs realizam um trabalho reconhecido com resultados consistentes. Como as finanças públicas nas três esferas de poder se deterioram muito, nas últimas décadas, o Terceiro Setor assumiu as novas demandas que foram surgindo. Atualmente, em qualquer cidade brasileira, as entidades sociais têm um peso muito superior à assistência prestada pelos municípios. Nesse momento, três novos desafios se colocam para as pessoas envolvidas com a responsabilidade social. O primeiro, sempre premente e angustiante, é a interminável luta pela sobrevivência, pela busca de verbas e de doações que possam assegurar a manutenção do projeto e a sua ampliação. A segunda envolve o grau de responsabidade que os voluntários e as instituições passaram a ter diante de uma legislação que se sofisticou e faz exigências cada vez mais sérias, mesmo para quem decidiu ajudar ao próximo de forma voluntária. Essa nova realidade coloca mais pressão em cima do voluntário, pois seus dirigentes precisam se profissionalizar para conduzir bem os projetos, pois correm o risco de serem responsabilizados pela lei. O terceiro e maior desafio é o enfrentamento dos poderes públicos.

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O mesmo Estado que se omite na assistência social e no repasse de verbas aperta o cerco jurídico contra as instituições que cumprem o seu papel. Os relatos apresentados por 30 entidades, nesta edição especial que comemora os 27 anos da Revide, deixam claras essas contradições e o gigantismo desse desafio. Ao contrário de outros segmentos organizados da sociedade, por enquanto, o Terceiro Setor ainda não adquiriu força suficiente para ter o trabalho reconhecido. Prefeituras, governos estaduais e a União repassam, com atraso, verbas minguadas para quem assumiu responsabilidades que são governamentais. O Estado não paga, não auxilia e não ajuda como deveria, mas se acha no direito de fazer exigências cada vez maiores. Essa realidade precisa mudar.

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