Lance ousado

Lance ousado

Os caminhos da política são tortuosos e, por vezes, contraditórios. Talvez por isso alguns mais pragmáticos a definam como a arte de fazer o possível, embora isso, frequentemente, comprometa os objetivos de longo prazo e a essência das propostas. A ex-senadora Marina Silva se viu envolta em uma dessas bifurcações da política em que se faz necessário contemporizar os projetos pessoais, partidários e a própria conjuntura que, invariavelmente, distancia o possível do ideal. Detentora de um respeitável percentual das intenções de voto — 29%, segundo o último levantamento do DataFolha —, a ambientalista não poderia ficar de fora da sucessão presidencial num momento em que o cenário político enfrenta uma atroz carência de nomes com credibilidade. A democracia e a sucessão presidencial lucram com a permanência de Marina no páreo de 2014.

O ideal seria concorrer com um partido próprio. Sem a possibilidade de criar a rede das próprias ideias, o possível passou pela escolha de uma das siglas partidárias que apresenta mais contras do que prós. A opção recaiu sobre o PSB, o Partido Socialista Brasileiro, cuja contradição já vem estampada no próprio nome. A esmagadora maioria do eleitorado certamente desconhece que tipo de socialismo professa o PSB, nesses tempos de economia globalizada e capitalismo financeiro com alto grau de dependência internacional. A incongruência na sigla evidencia o distanciamento dos partidos com a realidade a qual pretendem transformar. Para continuar existindo como doutrina política, os moldes do socialismo precisariam ser reordenados, mas isso ainda não ocorreu.

Assim, o partido tem na sua sigla de apresentação algo que não consta em seu ideário e não explica, por exemplo, como faria o controle dos meios de produção ou como esse processo de mudança seria efetivado. Um dos únicos pontos de congruência na filiação da ambientalista ao PSB está no fato de que o partido do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, alinha-se no campo da oposição, hoje empenhada em estancar o dinástico projeto petista de entronizar-se no poder “ad seculorum”.

Os 20 milhões de votos que a própria Marina Silva recebeu na eleição anterior sinalizam, claramente, que uma expressiva parte do eleitorado deseja a construção de uma nova alternativa de poder, além da polarização entre o PT e PSDB. O mundo atual está sedento por novidades. E as novidades metem medo como ficou demonstrado na reação do Palácio do Planalto à surpreendente mexida no tabuleiro da sucessão.

Resta saber se a soma de Marina e de Eduardo ou dos ambientalistas com os “socialistas” resultará em uma aliança diferente de tantas outras que já foram feitas. A plataforma de uma aliança presidencial requer bem mais do que ser apenas “contra o governo que aí está”. O governo de Dilma Rousseff, entre outras fraquezas, padece de falta de horizontes e de projetos de longo prazo.

Um outro antigo mandamento da política se renova nesta eleição que está em curso: faça o impossível para manter seus aliados e o impossível para não criar inimigos. Há um ano do pleito, quando olha para o horizonte da sucessão, os petistas encontram nas trincheiras da oposição dois aliados de outrora. Marina Silva acredita piamente que o governo instrumentalizou a Justiça Eleitoral para barrar a legalização da Rede Sustentabilidade a tal ponto que decidiu sacrificar, por ora, a sua condição de candidata preferencial para derrotar o governo. Empenhou seu apoio a um candidato que tem um terço das suas intenções de voto. Se antes da aliança, Marina Silva e Eduardo Campos eram figurantes no jogo da sucessão, daqui para frente, se conseguirem passar por cima das diferenças partidárias, assumem à condição de protagonistas com chances reais de vitória. A história da política está cheia de lances ousados. A onda de protestos de junho mudou o panorama da sucessão. Ninguém sabe para onde o descontentamento será canalizado, pois as manifestações das ruas levaram os partidos de roldão. Esse desfecho será um ingrediente decisivo na sucessão presidencial. Mais ainda falta muito tempo e a política sempre é uma arte que se revela surpreendente.

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