O funeral das virtudes

O funeral das virtudes

A mídia do mundo inteiro não economizou adjetivos para descrever o líder sul-africano, o mais importante opositor do racismo na história da humanidade. Resiliente, idealista, herói, obstinado, rebelde, libertador, conciliador e humanitário. Como cantou a argentina Mercedes Sosa para descrever a chilena Violeta Parra, “todos los adjetivos se hacen pocos” para delinear a altruísta personalidade de Nelson Mandela, o Che Guevara africano. A exemplo do que fez o revolucionário argentino, o líder africano enveredou pela luta armada depois de uma chacina em que 69 negros foram mortos e 180 ficaram feridos. O episódio foi decisivo para que Mandela descobrisse que, além de racista, o apartheid também era um regime sanguinário. A luta armada custou ao líder negro 27 anos de prisão, período em que aprendeu com a solidão da cadeia e tornou-se uma personalidade mundial. A sabedoria fez de Mandela um pacifista. O espírito idealista apareceu quando recusou trocar a própria liberdade pela renúncia da luta antiapartheid. Pela nobreza dos princípios, o homem simples ganhou o prêmio Nobel da Paz.

No funeral que comoveu o mundo, o Brasil foi representado pelo time da foto, quatro ex-presidentes e a presidente Dilma Roussef, que viajou às expensas do erário. Comparação inevitável. Não se pode generalizar e ser injusto com o povo brasileiro. Embora quatro dos cinco que aparecem na pose tenham sido eleitos, os presidentes que ocuparam e ocupam o poder não representam a índole majoritária da nação. Apenas um, José Sarney, vice de Tancredo Neves, chegou ao poder de forma indireta. Vejamos os predicados do Sarney, presidente de triste memória. Nunca antes na história deste país, alguém foi tão profícuo em pensar em si mesmo. O governo Sarney foi um descalabro só, com inflação nas alturas e inúmeros casos de corrupção. A virtude do altruísmo passou longe do ex-governador do Maranhão, um ser afoito em desfrutar de todas as benesses. Para permanecer mais um ano no poder, distribuiu concessões de rádio a esmo para aliados políticos. Quais eram os atributos de Fernando Collor de Melo, o primeiro presidente eleito do período pós-ditadura, que hoje desfila com pompa de senador? O famigerado “Caçador de Marajás” patrocinou o maior estelionato eleitoral da história da Nova República. Com um discurso inflamado, enganou 35 milhões de eleitores. Bradava que acabaria com a corrupção com um tiro só. Pelo contrário, seu governo foi um dos mais corruptos da história. Uma gigantesca mobilização do eleitorado, nas ruas, apeou do poder Collor e a sua chusma.  

O aloprado Itamar Franco nem é digno de nota. As esperanças recaíram sobre o virtuosismo do sociólogo Fernando Henrique Cardoso. O dobro do tempo que Mandela  ficou na cadeia, FHC passou estudando em universidades e em centros de pesquisa. Sem escrúpulos, o presidente tucano também se valeu de negociações espúrias para instituir a reeleição. Se no currículo de FHC pesa a seu favor o legado da estabilidade econômica e do início dos programas sociais, por outro lado, seu governo foi medíocre do ponto de vista do desenvolvimento educacional do país. Em oito anos, o letrado Fernando Henrique pouco ou nada fez para retirar o país do atraso cultural, embora essa fosse a principal especialidade do seu currículo.

Divididos em inúmeras tribos, os povos africanos possuem enormes diferenças culturais que dificultam a criação de instituições que garantam a democracia. Embora tenha o mérito de incorporar ao mercado de consumo milhões de brasileiros que viviam sem renda alguma, os oitos anos de governo do ex-presidente Lula ficaram manchados pelo escândalo do mensalão, a compra de votos institucionalizada para governar o país a qualquer custo. Hoje, os principais líderes do governo Lula estão sendo presos e sobre a biografia do ex-presidente para sempre pairará a acusação de que era o mentor e o grande beneficiado da compra de votos. Dilma Roussef não conseguiu se livrar dos esquemas enraizados para desviar o dinheiro público. Corruptos entram e saem do seu governo que continua refém dos partidos que compõe a base aliada. Seu desempenho econômico é sofrível e as reformas não andam.

Taxativo, o jargão popular vocifera que o poder corrompe a todos. A grande lição que o líder negro deixa para a humanidade e para os políticos brasileiros é que a decência e a retidão de caráter não são valores utópicos. Apesar dos maus exemplos e do funeral diário das virtudes, a política continua sendo uma arte nobre de colocar o interesse da maioria acima das mesquinharias pessoais. A humanidade lamenta, com razão, a morte do líder negro e espera que novos Mandelas germinem nos cinco continentes, especialmente, do lado debaixo do Equador.

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