A barbárie do desvario

A barbárie do desvario

Em várias cidades do país, a população começa a fazer justiça com as próprias mãosO Brasil começou o ano com uma onda de pessimismo que vai da economia à organização da Copa. O clima ficou pesado com a iminência da recessão, a inflação acima da meta e os eternos problemas de infraestrutura.  A famosa Curitiba, uma das principais capitais brasileiras, tão decantada pelo seu planejamento urbano, quase pagou um mico internacional pelo interminável atraso das obras. Só foi aprovada na inspeção para evitar o transtorno de mudar jogos que já têm ingressos vendidos. Não há seriedade no planejamento e na organização do Mundial, falta um comando e tem muita bola sendo chutada para fora do estádio. Deus terá que vestir a camisa verde e amarela para evitar um fiasco nacional. Os governos do ex-presidente Lula e de Dilma Rousseff perderam o “timing” para a realização das obras. Teve licitação de aeroporto que saiu três meses antes do Mundial, embora o país tenha sido escolhido para sediar a Copa há sete anos.  O governo federal abandonou o discurso do legado das obras para gastar o refrão vazio que “esta será a Copa das Copas”, embora a realidade não dê a mínima sustentação para o discurso ufanista que a partir de agora será inflado por parte da mídia.

As estradas brasileiras estão em estado vergonhoso. No meio de um calor infernal, a população brasileira convive com o fantasma dos apagões que chegam a atingir 10 estados de uma vez. O nefelibata Edson Lobão, ministro das Minas e Energia, velho amigo do Sarney, da turma do Maranhão, diz que não há motivo nem para uma nesga de preocupação. As estatísticas mostram que os reservatórios de água nunca estiveram em níveis tão baixos, os rios estão definhando e centenas de cidades no país inteiro foram obrigadas a racionar a distribuição de água. Milhões de pessoas estão sem água neste verão. Combater esse desabastecimento deveria ser uma prioridade nacional.

Quanto mais a Copa se aproxima, mais perigoso o país fica. Uma guerra, que já vitimou um cinegrafista, está prestes a ser deflagrada entre manifestantes, partidos políticos, ONGS e as forças policiais. O governo federal projeta gastar R$ 1,1 bilhão com a segurança da Copa que envolverá 100 mil homens. Os recursos que sempre faltam para resolver problemas crônicos como a oferta de energia ou a falta de água jorram aos cântaros nos dutos que irrigam os cofres da FIFA. O jogo está pesado. A violência e o caos social atingiram níveis assustadores. Ônibus queimados, estações de metrôs depredadas, grupos de extermínio e bancos explodidos com dinamite viraram notícias corriqueiras.

Nos últimos dias, com esse clima de desvario impregnado no ar, até o pacato povo brasileiro, personalizado pela figura do cidadão comum, começou a fazer justiça com as próprias mãos. Com plateias sedentas por vingança, em Sidrolândia no Mato Grosso do Sul, em Itajaí em Santa Catarina e na zona Sul do Rio de Janeiro a população decidiu castigar os ladrões na hora, em praça pública, tal qual ocorria nas sociedades medievais, contando com a complacência da polícia. Na Avenida Paulista, nem é preciso ser criminoso para ser castigado. Um calouro foi amarrado a um poste por universitários veteranos extasiados. Na baixada Fluminense, depois de ser torturado, o ladrão que estava amarrado a um poste foi executado por um motoqueiro.

Não faltam motivos para o descrédito das instituições, mas quando os criminosos e os cidadãos comuns perdem o respeito pela lei, instala-se o regime da barbárie onde o mais forte se apodera da razão e do direito através da força. Pesquisas da Folha de São Paulo revelaram que a maioria da população reprova a volta do pelourinho, mas não compactua com a impunidade. A sociedade tem o direito de exigir leis mais duras para os criminosos comuns, para os que cometem crimes hediondos e também para aqueles que torram o dinheiro público em um megaevento esportivo e deixam de investir em educação e em programas sociais que tornariam o país menos violento e sem tantas aberrações. Se o Donadon, o José Dirceu e companhia já foram para a cadeia, dá para processar e punir todos aqueles que cometem crimes ou que desperdiçam o dinheiro público, sem precisar sujar as mãos com sangue. Basta infligir aos faltosos o rigor e as penas da lei. Bem que o Joaquim Barbosa poderia organizar esta copa que valeria a pena ganhar.

Compartilhar: