A cólera do dia a dia

A cólera do dia a dia


Por qual razão as pessoas estão mais apressadas, deram as costas para as boas maneiras e estão ficando mais agressivas? No estacionamento do shopping, os mais “espertos” param nas vagas dos idosos. Se não tirarem o lugar de algum velhinho, não hesitam em tomar a frente de alguém que tinha a preferência pela vaga. Esse cidadão mais egocêntrico também não titubeia em furar a fila. A deselegância se generalizou e o baixo nível da educação se manifesta na música de má qualidade, no vocabulário rasteiro que permeiam as redes sociais ou nas ações mais triviais do dia a dia.

O trânsito virou pista de corrida para os mais variados tipos de grosseria. Fecha daqui, enfia a mão na buzina e alguém já desce do carro armado ou com uma barra de ferro na mão.  A finesse e a gentileza foram para o espaço. Para chegar alguns segundos antes, motoristas apressados colocam a sua segurança em risco e a de pessoas inocentes. Tem gente que não se toca e fala alto no celular, no lugar onde estiver, como se a sua conversa fosse a mais importante do mundo. Falta educação para se comportar adequadamente em cinemas, teatros, consultórios médicos, bancos e restaurantes.

A internet virtualizou os negócios, as atividades profissionais e a prestação de serviços, mas os contatos pessoais continuam sendo preponderantes. No entanto, o fair play humano mergulhou numa crise de seguidores.  A paciência para lidar com quem está próximo está esgotada. O mundo gira em um processo acelerado, quem fala devagar já não encontra o tempo que precisa para ser ouvido. A pauta cheia de assuntos fica atropelada e precisa ser resolvida na mesma hora.

O povo está operando naquele tom irascível, com o olhar carregado e as atitudes embrutecidas. Anda meio encolerizado, com o comportamento agastado diante da menor contrariedade. Alguns estudiosos entendem que a degringolada das boas maneiras não é um fato aleatório, mas pode ser verificado, cotidianamente, nas nuances do dia a dia. Em Ribeirão Preto, toneladas de entulho são retiradas dos bueiros e as carcaças de geladeiras são jogadas a céu aberto. Essas são atitudes mais visíveis, mas a grosseria anda meio generalizada, no centro ou na periferia, sem fazer distinção de sexo, posição social ou condição econômica. Você conhece algum chefe que ganha muito, mas é um baita de um estúpido?

O primeiro passo para reverter uma tendência tão iracunda — há duas semanas torcedores do São Paulo mataram a pauladas, sem motivo, um torcedor do Santos em um ponto de ônibus — passa pela percepção desse processo, que dá margem a muita controvérsia. Estaria a nação sendo corroída pela deseducação, pelo rebaixamento das boas maneiras, tomada por uma espécie de desrespeito coletivo, que vai da educação escolar até a obscenidade comportamental de parcelas universitárias? Não se trata de um julgamento moral. Nesse texto, não se questiona as opções individuais, mas o rumo que tomou o convívio social. Aos poucos, estamos nos tornando uma nação de vândalos e depredadores profissionais. Escolha uma cidade do país, da capital ou do interior, coloque um orelhão ou um brinquedo na praça, e marque no relógio quanto tempo a peça resiste à depredação.

Difícil concluir com certeza, mas o fino trato anda em baixa. Até os limites saudáveis estão caindo. No Carnaval que passou, chegou a observar como se comportam as pessoas numa praia lotada? Sujeira para todo o lado. Em algum ponto dessa trajetória, a modernidade foi confundida com o desrespeito ao alheio e ao coletivo, turbinada pela máxima do “posso fazer tudo o que quero do meu jeito.” Estamos assistindo à falência da reciprocidade, do espírito generoso e da solidariedade, virtudes e pré-requisitos que nos trouxeram até aqui.

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