A intolerância ao extremo

A intolerância ao extremo

Na sucessão de horrores do noticiário nacional, dois casos recentes chocaram a opinião pública recentemente. Um foi o do anestesista de São João do Meriti (RJ) que abusava das pacientes na hora do parto. A maldade de que um ser humano é capaz não conhece limites. O outro foi o assassinato com conotações políticas, ocorrido em Foz do Iguaçu (PR). Existem casos que são singulares, mas que por vezes representam tendências gerais de comportamento. Já faz algum tempo que a política brasileira vem enveredando pelo caminho perigoso do confronto, da beligerância e da disposição para a briga e os conflitos. Essa tendência ganhou amplitude com as redes sociais em que grupos organizados atacam de maneira agressiva pessoas que pensam diferente.


O guarda municipal e tesoureiro do PT de Foz do Iguaçu, Marcelo Arruda, comemorava o aniversário de 50 anos com uma festa temática sobre o ex-presidente Lula quando foi morto pelo agente penal bolsonarista Jorge José Guaranho. Nada mais trágico do que alguém ser morto no dia da festa de aniversário. O que era para ser uma comemoração particular se transformou na materialização explícita da intolerância política que corre solta pelo país. Tornou-se comum hoje em dia receber vídeos ofensivos de “pessoas de bem” com termos chulos como pilantra e vagabundo para se referir a terceiros. Uma tentativa de desqualificar os adversários na base dos adjetivos e no grito. Tem uma galera nas redes sociais que acredita que convence quem xinga e grita mais. A tragédia de Foz do Iguaçu é o que se poderia chamar de avant première da barbárie, uma amostra de como se vive em uma sociedade onde as pessoas não respeitam as leis e chegam ao extremo de partir para eliminação sumária dos adversários. 


O crime de Foz do Iguaçu também tem um tom profético. Anuncia o que está por vir e o que pode acontecer na eleição presidencial que se aproxima. Em eleições passadas, todos os candidatos andavam livres, leves e soltos, no meio do povão, em contato direto com os seus eleitores. A Polícia Federal já avisou que nesta eleição isso não poderá ocorrer para que a segurança não fique comprometida. Os principais candidatos deverão evitar comícios, concentrações e caminhadas em locais abertos, pois há risco de um atentado. Até então, se tinha a ideia de que só os doentes mentais tentariam assassinar um candidato à presidente, caso de Adélio Bispo que em 2018 tentou matar o presidente Jair Bolsonaro em Juiz de fora. Agora parece que há mais gente disposta a chegar às vias de fato. A Polícia não descarta o enfrentamento de grupos armados, dispostos a agredir adversários. O que está prestes a ocorrer na próxima eleição assim que os ânimos esquentarem é o que já ocorre no futebol. Torcidas organizadas partem ao encontro do grupo rival provocando mortes e conflitos. 

 


Principalmente na eleição presidencial, deve ocorrer mais ou menos o mesmo. Ao saberem que apoiadores do candidato X organizam uma manifestação em determinado local, é muito provável que os eleitores do candidato Y se dirijam ao mesmo lugar para iniciar uma briga de consequências imprevisíveis. Registre-se que com algumas exceções esse componente beligerante não fazia parte da tradição política brasileira. De uns tempos para cá, surgiu uma onda odiosa que infelizmente foi ganhando adeptos para desacreditar instituições, a imprensa e órgãos de representação. Se o caos for institucionalizado, o caminho ficará aberto para que algum ditador de plantão se apresente como a tábua de salvação. Com algumas diferenças, foi isso que ocorreu na vizinha Venezuela. 

 


À democracia brasileira interessa que as regras atuais sejam respeitadas. Até aqui, o PSDB ganhou duas eleições presidenciais e perdeu outras tantas. O ex-presidente Lula perdeu três antes de ganhar duas. O presidente Jair Bolsonaro disputou uma só e ganhou de primeira. Teoricamente está fácil de resolver. Quem ganhar no voto sem tiro, soco ou pontapé leva. Na prática, porém, o noticiário mostra que não vai ser bem assim. 

Compartilhar: