
Ajuda muito quem não atrapalha
Depois que uma quadrilha especializada e fortemente armada, explodiu a sede de uma empresa para roubar cerca de R$ 50 milhões, muitos questionamentos surgiram. Na fuga, os assaltantes deram tiros de fuzil e de metralhadora, mataram um policial militar e um morador de rua. Pelo menos naquela fatídica manhã de segunda-feira, Ribeirão Preto ficou parecida com os combates que ocorriam na Colômbia ou com a recente artilharia pesada disparada nas ruas de Ponta Porã no Mato Grosso do Sul.
Ribeirãopretanos assustados perceberam os riscos de morar ao lado de uma empresa de valores. No bairro Santa Cruz, um abaixo-assinado circulou pedindo a saída do local de uma empresa de valores. O dinheiro está em outras mãos. Os bancos não guardam mais altas somas e, sempre muito ladinos, terceirizaram o risco dos assaltos. A cidade precisa de ordenamento jurídico, de um plano diretor, para determinar os rumos do crescimento para evitar a miscelânea de atividades comerciais com o cotidiano dos bairros residenciais.
Essas questões são de competência da Prefeitura, da Câmara de Vereadores, com a participação da sociedade organizada, sob a supervisão do Judiciário. No entanto, o mesmo descalabro administrativo que ocorre no âmbito nacional se repete no plano local. Com desagradáveis surpresas diárias, a população assiste perplexa a um festival de irresponsabilidades, a judicialização desnecessária de problemas simples e ao jogo de interesses mesquinhos, principalmente às vésperas da disputa eleitoral. Em uma das mais ricas cidades do país, nada se resolve facilmente, seja um reles aumento da área azul, seja a construção de uma estação de ônibus ou mesmo a aprovação de uma peça orçamentária pro forma. Enquanto isso, distante dessas incongruências políticas, o cidadão comum tenta tocar a vida no meio da mais grave crise econômica dos últimos 20 anos.
Este é um país em construção, testado diariamente e que enfrenta percalços decorrentes da incúria de governantes e de representantes legislativos. Sempre vale frisar que todos eles foram ungidos pelo voto livre e democrático. Pedindo licença para apelar ao vocabulário popular para bem definir o que aconteceu, a última “papagaiada” envolvendo os dois maiores poderes constitucionais locais, a Prefeitura e a Câmara de Vereadores, ocorreu na votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2017. Um dos tantos “franqueksteins” jurídicos produzidos pela legislação brasileira, a LDO é uma lei que não obriga nenhum governante a cumprir o que nela está previsto, mas se ela não existir aí se configura uma ilegalidade. Se os poderes são independentes, qual a razão de votar com a obrigatoriedade de aprovar? Além da falta de autonomia, o episódio demonstra a falta de sintonia entre dois poderes tão próximos.
Desavisados, desinformados, mal intencionados, por retaliação ou vingança, por paradoxal que pareça, os vereadores talvez não soubessem que poderiam votar pela aprovação da LDO, mas que não deveriam rejeitar a peça sob pena de criarem uma anomalia jurídica e incorrer em grave omissão. À boca pequena comenta-se que a peça foi rejeitada por 19 dos 22 vereadores, inclusive com o voto dos situacionistas, para complicar a vida do próximo prefeito que, pelo andar da carruagem, já está bastante prejudicado. O eleito herdará uma Prefeitura endividada e com uma reduzidíssima capacidade de investimentos. Segundo o Observatório Social de Ribeirão Preto (OSRP), para uma receita estimada em R$ 2,9 bilhões em 2017, o déficit primário pode alcançar R$ 1 bilhão.
Mesmo que seja uma peça de ficção superestimada, não aprovar a Lei de Diretrizes significaria inviabilizar a realização de qualquer obra, a manutenção de programas sociais, o recebimento de receitas e até mesmo conceder reajustes ao funcionalismo. Se a decisão da Câmara não fosse revertida, o caos seria instalado no município. A Prefeitura de Ribeirão Preto ficou numa situação surreal, constrangedora e até vergonhosa perante a opinião pública. Uma confusão dessas nunca tinha ocorrido. Sem a LDO, não haveria como elaborar o orçamento de 2017.
Depois do malfeito, recomeçaram as “explicações”, a troca de acusações e a terceirização da culpa. A “saída” encontrada, de anular a sessão mesmo que não haja um motivo plausível, deixou um desgaste desnecessário nas imagens do Executivo e do Legislativo, além da perda de tempo e do grave risco de prejuízos para a cidade. Uma pergunta fica no ar. Como reagirá o Judiciário diante da manobra para anular um ato jurídico perfeito? A cidade não precisa e não merece nada disso, pois questões como a localização das empresas que guardam valores, a preservação de áreas ambientais ou as adequações para regulamentar o crescimento da cidade, há muito tempo, esperam por ações assertivas dos representantes municipais. Um velho ditado diz que ajuda muito quem não atrapalha.