
Alegria dos encontros
O ano de 2019 está indo embora, para os mais pessimistas não deixará saudades e entrará para a lista daqueles períodos que devem ser esquecidos. A divisão, os conflitos irascíveis e os interesses particularíssimos parecem ser a tônica dos dias atuais. A solidariedade anda em baixa. Certamente, alguns avaliarão que o ano que passou nem foi tão ruim assim. Mesmo que se fale muito em crise econômica, violência e muitas cenas de intolerância, principalmente na internet, as crises nunca são homogêneas.
De maneira simplificada, os problemas, sejam eles quais forem, não afetam a todos da mesma forma. Enquanto alguns se dedicam de corpo e alma para alcançar as primeiras conquistas, outros já estão, por assim dizer, com a vida ganha. O ano de 2019 ficará marcado por algumas perdas. Uma delas foi a do jornalista Ricardo Boechat que por sinal tinha uma teoria importante sobre como lidar com as dificuldades econômicas. Jornalistas, economistas e políticos costumam fazer comparações sobre as crises. Qual é a maior, a pior ou a que mais estragos provocou? De acordo com o saudoso Boechat, a pior crise sempre será a atual, pois as outras já foram superadas.
Além de longa, a crise atual tem um cunho democrático, se arrasta por vários governos com um viés bastante danoso para a população de baixa renda. Mesmo que no horizonte despontem sinais de uma tímida recuperação, a década que se encerra no ano que vem, em 2020, entrará para a história como mais um decênio perdido, algo semelhante ao que aconteceu nos anos 80 com a diferença que aqueles eram tempos de inflação alta em que o dinheiro literalmente queimava nas mãos. Os mais otimistas relembrarão que a inflação está baixa e sob controle, mas a euforia econômica dos investidores não voltou. Pelo contrário, quem tem dinheiro para investir ainda continua muito cético em relação ao futuro. A imprensa também noticia à exaustão que os juros nunca foram tão baixos, mas, de novo, essa redução não chega à ponta, no consumidor que necessita do crédito. São os inexplicáveis mistérios da economia brasileira. A taxa Selic, de referência para o mercado, caiu para 4,5% ao ano, mas os juros do cartão de crédito ou do cheque especial beiram os 300%. A discrepância continua sendo tanta que o governo precisou intervir.
Em época de Natal e de Ano Novo não tem crônica que resista a síndrome de Pollyanna, a personagem dos romances da escritora Eleanor Porter que tinha a capacidade de se concentrar nos aspectos positivos da vida. Um pouco desse otimismo literário talvez seja mesmo indispensável para superar a mesmice que insiste em fazer parte da realidade brasileira. Entra ano e sai ano e não nos livramos dos velhos estigmas das balas perdidas, dos deslizamentos de morros que provocam mortes, da falta de médicos para atender doentes e por aí vai. Este ano, cerca de 100 pessoas morreram em incêndios, desabamentos, inundações e outras tragédias. A corrupção parece um câncer incurável. Tem outra parte dessa realidade que não está diretamente relacionada às causas e às consequências das ações públicas. Essa problemática tem a ver com a forma de agir das pessoas, ao grau de educação, de bom senso e da capacidade de construir entendimentos. Nesses quesitos de civilidade sem custo financeiro estamos terminando o ano em baixa, insuflados pelos péssimos exemplos que vem do andar de cima.
Este 2019 deixa a impressão de um tempo carregado, mais impaciente e apressado, com nervos à flor da pele sempre na iminência de explodir. Surgem ondas de radicalismo que contaminam legiões dispostas ao enfrentamento quando a ideologia reinante deveria ser justamente o contrário. O obscurantismo é o grande mal a ser combatido. Por isso, certamente, vivem melhor os que conseguem ponderar sobre suas atitudes, pensar bem antes de falar ou de agir por impulso. Trilha o caminho da felicidade aquele que não se torna prisioneiro de convicções arraigadas. Se aproxima dessa condição quem gosta de si mesmo e não perde o equilíbrio com facilidade. Privilegiados são aqueles que conseguem manter a calma mesmo que o universo atual esteja conspirando contra. Ao contrário do que propõe a autoajuda, não existem fórmulas e receitas prontas. Mais vale seguir a própria intuição para perceber a felicidade que está no entorno. Assim, fica aqui o desejo de um Natal com a alegria dos encontros e um Ano Novo com muita percepção para captar o que de melhor vem por aí.