
Almodóvar
O espanhol Pedro Almodóvar tem um lugar cativo no panteão dos diretores consagrados pelo cinéfilos. Sua última obra, que está em cartaz nos cinemas de Ribeirão Preto, mantém o script. Almodóvar não foge da matéria-prima principal das suas películas: os dramas humanos com as bizarrices que misturam morte, sexo, estupro, vingança, paixão e demência. O jeito simples do diretor de contar histórias faz o cinema parecer algo muito banal para prender a atenção do espectador.
Para Almodóvar, o tempo que tanto nos angustia é algo trivial, um detalhe que pode ser facilmente manipulado. A cronologia, o passado e o presente se submetem às conveniências da história, sem aquelas pistas enigmáticas que às vezes tornam produções da mesma linha rebuscadas demais. Não há abismos ou grandes dicotomias entre cenas de sexo que beiram ao grotesco ou a suavidade que exala do saxofone. A característica ambientação espanhola diferencia o filme das pasteurizadas produções norte-americanas.
Bem, por coincidência, a essência atrativa de uma reportagem ou de um filme deve estar condensada no título que, de alguma forma, precisa reproduzir com maestria o conteúdo da obra. Por isso, a chamada que Almodóvar escolheu para levar o espetactador até a poltrona dá o que pensar. “A Pele que Habito” sugere um redesenho do perfil clássico do ser humano em que as diferenças entre homens e mulheres são relativizadas. Embora isso esteja ocorrendo a contragosto de muitos, a humanidade caminha nessa direção. Hoje, a sociedade discute novos modelos de relacionamento, entre eles, a união de pessoas do mesmo sexo.
Como não falta ousadia para o diretor, Almodóvar mostra que há sentimentos e emoções permeando os dois gêneros e que não existem fronteiras que não possam ser derrubadas pela engenhosidade da ciência ou pelas mudanças de visão e de comportamento. Assim, sua câmera envereda por um mundo que prioriza a subversão dos padrões sexuais para atingir o ser humano no seu âmago. Mais do que o conteúdo, a forma aparece como determinante. O visual da pele tem força suficiente para mudar o sentido da percepção. O futuro teria homens e mulheres ou haveria um comportamento intermediário que faria uma mescla psicológica dos dois?
Quem opera esse experimento científico da tela do cinema para o mundo real é um cirurgião plástico interpretado pelo estiloso Antonio Banderas. E o espectador vai se revirando na cadeira com as cenas chocantes. Em cada tomada de cena da teoria “almodovariana”, tal qual o camaleão que muda de cor para estabelecer uma simbiose mais harmônica com o habitat, o ser humano detém uma face ainda não revelada que permite cambiar a essência do seu comportamento para a pele que, por ventura, estiver habitando.