
Analogia do xadrez
Os especialistas em política e em economia bem que se esforçam, buscam informações, estudam pesquisas, comparam situações similares para prever o que acontecerá lá na frente. No entanto, essa tarefa nunca se mostrou tão complexa diante da infinidade de oportunidades que o mundo atual apresenta, especialmente em áreas como a política e a economia. A encruzilhada de alternativas a que o mundo contemporâneo está submetido foi muito bem apresentada num livro lançado, recentemente, pelo maior enxadrista de todos os tempos, Garry Kasparov. A publicação do russo de 54 anos é candidata a best seller mundial. Escritor e ativista político nascido no Azerbaijão, o enxadrista é dono de uma extensa bibliografia sobre o jogo e suas correlações com a vida. Kasparov foi coroado rei em um esporte cujo segredo repousa na capacidade do jogador de explorar ao máximo o raciocínio do cérebro humano, sob o ponto de vista lógico e estratégico. Nesse tabuleiro das infinitas possibilidades, o russo até enfrentou o computador da IBM Deep Blue e perdeu.
Talvez nenhum outro jogo tenha tantas possibilidades de combinações que só as máquinas podem calcular. Segundo os matemáticos, o xadrez possui 170 setilhões de alternativas para fazer apenas os primeiros movimentos da partida. O que torna o xadrez um jogo com possibilidades exponenciais passa pela singularidade do movimento de cada peça, são 16 no total com dois exércitos perfilados para uma grande batalha. Rei, rainha, torre, cavalo, bispo e peão se movimentam pelo tabuleiro em busca da liberdade, das melhores posições de defesa e de ataque. O jogo de dama, por exemplo, possui um universo bem mais restrito, pois todas as peças (24) realizam o mesmo movimento.
O sucesso que o livro enxadrista russo está fazendo – A Vida Imita o Xadrez – está justamente em tentar decifrar o universo de possibilidades, usando a estratégia, fator essencial para a vitória no jogo de xadrez e em qualquer empreitada da vida. Um campeão de xadrez é necessariamente um grande estrategista. O mesmo pode se aplicar a uma pessoa ou uma empresa com objetivos a alcançar. Kasparov considera um lance fraco mudar a estratégia constantemente, pois isso significa o mesmo que não ter um planejamento traçado. As mudanças devem ser feitas por uma boa causa, principalmente quando o ambiente sofre uma alteração brusca. A melhor estratégia seria seguir o plano inicial com pequenos ajustes durante o caminho.
A analogia proposta pelo xadrez e pelo jogador russo pode ser estendida para várias situações pessoais e profissionais. A metáfora já bem conhecida da vida e do tabuleiro ajuda a entender esse verdadeiro balé de avanços e de recuos, de ações e reações. O desafio que o jogo atual apresenta está inserido nas mudanças ocorridas a partir da internet que ampliou as possibilidades que se colocam diante da vida. O cérebro humano dá sinais de cansaço e se mostra incapaz de lidar com o bombardeio de informações. Para alguns cientistas, as portas da inteligência artificial terão que, necessariamente, ser abertas.
No tabuleiro das incertezas, por exemplo, está a próxima eleição presidencial brasileira. Obviamente que nenhuma disputa atual se assemelha às anteriores, mas uma análise do momento indica que o grau de imprevisibilidade está bem maior. Isso tem tirado o sono das pessoas e do mercado. Na distante eleição de 1989, um suposto pedido de aborto do ex-presidente Lula a uma namorada influenciou no resultado da votação. Hoje, a 11 meses da disputa, o rol de dúvidas tende a crescer: entre os candidatos, quem estará preso? Quem estará solto? Quem terá a ficha limpa? Quem será ficha suja? Algum outsider tem chance? Os partidos e os políticos tradicionais estão mortos? O resultado da eleição será um avanço ou um retrocesso?
Pela necessidade de prever o futuro distante, o xadrez é fascinante, pois sua essência repousa na capacidade do jogador prever o maior número de movimentos. A menos que haja um erro, vence aquele que consegue ver mais longe. Os desafios da vida e da política estão exigindo dos seres humanos habilidades semelhantes às máquinas. Gradativamente, estamos sendo induzidos a processar um número cada vez maior de informações num espaço reduzido de tempo. Nossas respostas estão ficando automáticas, tipo aquele sinal positivo ou negativo usado no WhatsApp para dar um retorno binário, mesmo que a questão seja complexa. Tal como uma máquina, rapidamente, descartamos o que não serve, relembramos os erros do passado e optamos pela melhor alternativa. Segundo Kasparov, é preciso usar a lógica e o raciocínio estratégico para andar bem pela vida como se ela fosse uma enigmática partida de xadrez.