Barbie cai na real

Barbie cai na real

Todo o ano tem um filme que movimenta a indústria e as discussões na mídia e na imprensa. Em 2023, a superprodução que virou um case de marketing e um fenômeno de mídia põe no divã a boneca mais conhecida do mundo. Estrategicamente lançado nas férias de julho, Barbie levou uma legião de pequenos e grandes fãs aos cinemas, uma onda cor de rosa que tomou conta dos shoppings. Os looks que desfilam nas filas do cinema são um espetáculo à parte com todas as combinações possíveis e inimagináveis, sem qualquer preocupação com o formalismo ou as regras ditadas pelo mundo da moda. Segundo a Warner Bross, distribuidora do filme no Brasil, foi a quarta maior pré-venda da história, superando os números de Batman e Harry Potter. O filme deve quebrar os recordes de bilheteria.

 


Mesmo com essa explosão colorida em tom infantil, o filme de Greta Gerwig, diretora que já recebeu duas indicações para o Oscar, não se dirige às crianças. A classificação indicativa é para maiores de 12 anos. Com doses de humor, o roteiro provoca questionamentos sobre a condição feminina, o patriarcado e o sentido da vida humana. A reflexão já aparece logo no começo, através da criativa paródia com o filme 2001: Uma Odisseia no Espaço, clássico de ficção científica do diretor Stanley Kubrick, lançado em 1968. Com a trilha épica do filme de Kubrick e a poderosa narração da atriz britânica Helen Mirren, essa introdução mostra que as brincadeiras de meninas com bonecas sempre existiram, desde os tempos remotos, mas pela analogia a invenção da Barbie seria um momento marcante para a história da humanidade. Nessa mesma cena, numa imagem figurada, meninas começam a destruir as próprias bonecas diante da chegada de uma barbie deslumbrante, um modelo perfeito. Tem muita gente que não entendeu a metáfora e repassou vídeos que diziam que o filme fazia apologia à violência, à ideologia de esquerda, à destruição dos valores da família... 

 


Desde o primeiro momento, fica claro para o espectador que o filme mistura realidade com fantasia e que para continuar assistindo será necessária uma imersão no imaginário mundo da Barbie, mais precisamente na Barbieland, um lugar cor de rosa, onde tudo é perfeito, com as bonecas e os objetos colocados nos seus devidos lugares. Nesse mundo estereotipado, a celulite é considerada um defeito grave. Tudo vai bem até que a boneca interpretada pela triz Margot Robbie resolve sair da caixa. A fantasia se quebra quando Barbie pensa na morte.  Ela tem consciência que vive em um mundo perfeito, onde o hoje e o amanhã são sempre iguais, mas quando chega ao mundo real, descobre que a perfeição não passa de uma quimera e que a vida tem seus altos e baixos. No mundo dos humanos, Barbie é ridicularizada, entra em contato com o assédio e o seu mundo rosa cede lugar a um tom cinzento. 

 


O momento mais crítico do filme acontece quando uma personagem mundana, Glória, interpretada por America Ferreira, entra em cena, se rebelando contra a tirania estética e comportamental imposta às mulheres que precisam ser lindas, perfeitas e onipresentes, tal qual a Barbie da fantasia infantil. Na ótica machista da Barbieland, as namoradas não passam de acessórios. Esse é o momento de maior apelo dramático. Glória, sem diálogos, faz um discurso, em tom de revolta e angústia, contra a secular opressão feminina, contra o domínio do patriarcado e ao papel secundário imposto às mulheres. O próprio filme faz uma crítica ao padrão da Barbie, da belíssima loira branca, que há 60 anos impõe às mulheres um padrão de beleza, tornando-se um símbolo do capitalismo mundial estampado na imensa coleção de produtos comercializados, relacionados ao universo da boneca. Lembrando que o shopping da Barbie tem uma lista interminável de roupas, acessórios e objetos. 

 


Ao sair de seu mundo de fantasia, a própria Barbie faz uma autocrítica sem pudores, apresentando-se na tela como um produto de uma corporação dirigida exclusivamente por homens cujo maior objetivo é gerar lucros. Quando faz as reflexões próprias de um adulto, a boneca busca soluções para os problemas que a afligem. Percebe que a insatisfação e o desejo por mudança fazem parte da vida do ser humano que não pode se submeter à futilidade e às exigências dos padrões de beleza. No mundo real há que se aprender a conviver com as imperfeições da natureza humana. 

 

Foto: Reprodução Filme 

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