
Bravos desejos
O ano que está começando será um período de antagonismos, de combate e até de confrontos. Na melhor das hipóteses, um duro teste de perseverança pessoal e coletiva. Os principais motivos já são bem conhecidos e ficaram pendentes no balanço de 2015 ou mesmo naquela listinha que cada um costuma fazer internamente. Na retrospectiva, o ano terminou com a presidente ameaçada de impedimento, o vice-presidente colocado sob a suspeita de conspiração e os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado investigados e processados por corrupção. Pelo menos 147 deputados e 30 senadores estão respondendo a inquérito ou ação penal por corrupção no Supremo Tribunal Federal (STF). A mais alta corte do país também está cercada de desconfianças. O país duvida da independência de magistrados nomeados de forma arbitrária pelo Executivo.
O ritmo de vida se estabelece do centro do poder para a periferia. Na conjuntura atual, há um jogo sujo entre um governo inoperante, atolado pela corrupção, e uma oposição oportunista, refém de alianças espúrias. Neste começo de ano, Dilma Rousseff, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, para citar apenas três, representam o descalabro e personificam o que o país tem de pior. Infelizmente, hoje, a democracia plena e o resgate da cidadania estão fora da pauta. Na vida republicana, a degradação do ambiente político nunca foi tão evidente, embora uma parcela expressiva de cidadãos e de políticos fechem os olhos a essa realidade. Os dias de 2015 não foram somente de crise política e econômica, mas também entraram para história como a época em que a ética pública alcançou o nível mais baixo. Em um país em que a inflação está na casa dos dois dígitos e o que desemprego bate na porta de milhões de brasileiros, as aspirações, os desejos e as necessidades individuais se misturam às coletivas.
Por isso, em 2016, é preciso ficar atento desde o início. A negação da política não resulta em uma sociedade melhor, pois a experiência recente mostra que o ruim pode piorar. Diante de um cenário tão adverso, a combatividade será necessária tanto na vida pessoal quanto na comunitária. Essa postura mais aguerrida, sem tantos “deixa para lá”, exigirá no novo ano uma conduta crítica, um espírito guerreiro e disposição para o enfrentamento. Por questões históricas e culturais, o brasileiro médio é meio arredio a esse comportamento. Prefere descarregar o descontentamento em fóruns inapropriados, nos bares da vida ou em discussões inócuas. Tem muita gente perdendo o foco com facilidade e gastando muito tempo com frivolidades virtuais. Tem sobrado pouco espaço para se aprofundar em temas mais complexos, como os desdobramentos do processo de impeachment ou as mudanças da política econômica. A enorme carência informativa é uma deficiência grave a ser corrigida. Sem dúvida, essa é uma boa meta para 2016. Evidentemente, que nem todas as pessoas possuem disposição para dar murros em ponta de faca, adotar posições de luta ou defender ideias que, à priori, até podem parecer quixotescas. Seria algo insano demais sonhar com um governo com índices menores de corrupção, assim como ocorre em outros países do mundo? Nesse quesito, no momento, há duas posições extremadas distantes do equilíbrio. De um lado, os que protagonizam ataques virulentos, principalmente nas redes sociais. Na outra ponta, os que não perceberam os atos lesivos e ainda acham que podem enganar a maioria, a despeito da clarividência das notícias e dos fatos.
Hoje, é preciso disposição para fazer alguém mudar de ideia. As pessoas estão ficando surdas ao debate com pouquíssima disponibilidade para dialogar. Há uma pré-disposição meio generalizada para falar mais alto, de tentar impor-se no grito. Deixar a vida rolar de qualquer jeito, ao sabor do vento, pode ser um caminho menos tortuoso e desgastante, mas o rumo das decisões será influenciado pela falta de reflexão. No novo ano que se inicia, há que se encontrar espaço para o não bem explicado e para a crítica fundamentada. Elogios, favores e adesões, invariavelmente, resultam na criação de um estado de conivência. Não dúvida de que o descalabro da situação atual é fruto da desinformação, da omissão e da venda e compra descarada de ilusões. Não dá para aceitar passivamente a infinidade de buracos na rua e a falta de esparadrapo nos hospitais. Para que as mudanças ocorram, não se pode jogar a toalha ou adotar um comportamento meio egoísta de só cuidar de si mesmo. A vida sem grandes exigências vira uma mediocridade. Somente essa coragem poderá trazer resultados positivos em 2016. Caso contrário, em dezembro, novamente estaremos lamentando um ano pior do que o anterior. Os prazos da modernidade são apertados. A mudança não costuma ser obra do acaso, quase sempre resulta da bravura de cada desejo.