
Caímos no buraco
Uma nuvem de tragédias acometeu Ribeirão Preto nos últimos 15 dias. Primeiro, foi o desaparecimento e a morte do menino Joaquim, um crime que comoveu a cidade e o país. Na semana que passou, três pedreiros foram soterrados em Bonfim Paulista e quase morreram. A jovem Aiana Santana não teve a mesma sorte. No dia 7 de novembro, ela andava de moto pela Francisco Junqueira, uma das avenidas mais movimentadas da cidade. Ao passar por um buraco encoberto pela água, perdeu o controle da moto, bateu em uma árvore e morreu. O falecimento de uma jovem de 25 anos, de uma forma tão absurda, gerou perplexidade e revolta. Comerciantes das proximidades disseram que alertaram os órgãos da Prefeitura de Ribeirão Preto, por várias vezes, desde o dia 27 de outubro, sem que providências fossem tomadas. Em uma entrevista coletiva, a Prefeitura se defendeu dizendo que tomou conhecimento do buraco no domingo, dia 3 de novembro, mas que não foi possível fazer o conserto por causa das chuvas. Aiana morreu no dia 7 de novembro, por volta das 18h, quando retornava para casa no Jardim Piratininga, zona oeste da cidade, depois de participar de um culto da Igreja que frequentava.
Logo que a notícia da morte da garota foi divulgada, iniciou-se um comovido debate na cidade para apontar os culpados. Alguém precisa ser crucificado perante a opinião pública, mas há uma responsabilidade coletiva que também precisa ser examinada. Num país de tantas tragédias, o próximo desastre sempre suplanta o anterior nos quesitos efeito e repercussão. A morte de Aiana já está na página anterior do noticiário, na atual está o corpo do menino Joaquim, encontrado boiando no Rio Pardo, a 110 km de Ribeirão Preto. Depois do enterro em São Joaquim, provavelmente, a próxima notícia da vez será a descoberta efetiva da autoria do crime. No bairro José Sampaio, há uma tragédia anunciada com o surgimento de uma enorme cratera que ameaça engolir casas do entorno. Provavelmente, o enorme buraco seja decorrente de um gigantesco vazamento de água que corroeu o solo por baixo do asfalto.
Quem é o culpado ou quem são os culpados por esta funesta sequência de desditas? No calor da discussão política, a Prefeitura ou governante que estiver de plantão é o primeiro da lista. Certamente, quem está com a procuração da população para resolver os problemas tem enorme responsabilidade sobre a segurança e o bem-estar dos ribeirãopretanos. A importantíssima Secretaria de Infraesturura do Município, a quem compete cuidar da buraqueira, por exemplo, foi palco de disputas políticas internas e viscerais sem que nenhum avanço concreto no trabalho tenha sido feito nos últimos anos.
Contudo, o buraco é bem mais embaixo e só uma pá de cal não resolve. O asfalto podre que se dissolve nas primeiras chuvas está misturado com a leniência com que as administrações anteriores trataram os vencedores das licitações públicas. A Câmara de Vereadores abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o cascalho que cobre as ruas, mas não teve coragem suficiente para cavar mais fundo nesse problema. Assim, a lista dos culpados que deveriam ir para o banco dos réus vai aumentando. Imprensa, entidades da sociedade civil e cada cidadão também são responsáveis por essas ocorrências. A cidade é nossa. Com a ressalva dos protestos de junho, a sociedade aceitou cabisbaixa a deterioração dos serviços públicos, uma obra de várias gerações de governantes dos três poderes. A superficialidade e o jogo de aparências permeiam as relações públicas e privadas.
A saúde, a segurança pública e a própria infraestrutura são algumas das áreas que estão à beira da falência. Não há uma cultura de paz e de respeito à vida, de valorização da prestação de serviço ou de responsabilidade pelo bem público. Com a cara cada vez mais enfiada no celular, estamos na fase do “cada um por si e salve-se quem puder”. Essa perda acelerada do senso coletivo aumenta a exposição ao risco. Nesses últimos 15 dias, as vítimas da incúria foram os pedreiros de Bonfim, a Aiana e o Joaquim, mas é preciso abrir os olhos quando se anda nessas perigosas ruas da vida. A próxima vítima pode ser eu ou pode ser você.