
Carta aos Leitores
Como jornalista, eu tenho uma enorme preocupação com aqueles que confiam em mim para contar a sua história. Essa preocupação se traduz, entre vários cuidados, com o respeito pela palavra exata e pela forma como cada um se expressa na linguagem. Acredito que a “escuta” é o principal instrumento do repórter. Assim, não poderia deixar de me manifestar diante das imprecisões ocorridas na transcrição e na edição da entrevista que dei à revista Revide, durante a minha estada em Ribeirão Preto para participar da Feira do Livro, evento em que fui muito bem acolhida por todos e do qual me recordo com grande carinho. Eu jamais disse ou diria algo como “o primeiro de muitos prêmios que colecionaria ao longo da minha carreira”. Acho a arrogância uma forma triste de estar no mundo, para qualquer pessoa, e mais ainda para um jornalista. Referi-me ao meu primeiro prêmio, no final da faculdade, em outros termos e apenas para dizer que ele me levou ao meu primeiro emprego. O prêmio era um estágio na Zero Hora, jornal de Porto Alegre, onde acabei trabalhando por 11 anos e descobrindo que ser repórter é mesmo a melhor profissão do mundo. Tampouco o resumo que foi feito sobre minha opinião a respeito do momento atual do jornalismo, tema bastante complexo e pouco afeito a simplificações, é fiel ao meu pensamento. Há alguns momentos em que a “adaptação” da minha fala fez com que não me reconhecesse nela, como ao explicar a partir de qual experiência surgiu meu último livro, “meus desacontecimentos”. Quem já me leu ou me escutou também sabe o quanto eu sou cuidadosa ao abordar a questão da “verdade”, assim como a questão da “mentira”, na reportagem ou em qualquer apreensão da realidade. Acredito que a busca do jornalismo é pelas verdades – no plural, porque múltiplas. Os problemas na transcrição e na edição da entrevista, porém, atingem apenas a mim. O mais grave é a citação incorreta de um dos grandes pensadores franceses do século 20, o historiador Philippe Ariès, autor de vários livros, entre eles uma obra de referência sobre o tema da morte na cultura, fundamental para o meu próprio trabalho no período em que acompanhei os últimos 115 dias da vida de uma mulher com um câncer incurável. Em vez de “o historiador francês Philippe Ariès escreveu um livro muito importante sobre o assunto”, a entrevista publicada atribui a mim a seguinte frase: “O senador francês Jean-Pierre escreveu um livro muito importante sobre o assunto”. Feitos os esclarecimentos, agradeço a generosidade do espaço que me foi dado na revista e também o carinhoso texto escrito por Murilo Pinheiro ao final.
Eliane Brum. Escritora e jornalista