Castigos da economia

Castigos da economia

Não há impunidade na economia, essa ciência que coordena a distribuição dos recursos e cobra caro pelas protelações, pelo zigue-zague, pelo populismo contra inimigos imaginários e pela letargia. O brasileiro mais antigo que amargou uma série infindável de planos econômicos lembra bem disso. Hoje, as fragilidades da economia brasileira são cada vez mais evidentes. Déficit fiscal (governo gasta mais do que recebe), desemprego em alta, lenta recuperação da atividade econômica e colapsos crescentes em áreas como segurança, saúde, educação e infraestrutura. Na seara do desemprego, recentemente surgiu uma nova categoria: a legião de desalentados que desistiu de buscar emprego diante da falta de perspectiva e do custo para procurar trabalho. 

O governo do presidente Jair Bolsonaro completou os 100 dias esta semana, sem conseguir se livrar da antropofagia. Nem tanto pela oposição, até agora o governo tem sido o maior algoz do próprio governo, a ponto de o principal aliado da nova gestão, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, ter declarado que não tem vocação “para ser mulher de malandro”. Trocando em miúdos, Maia não acha bom ficar apanhando da base do governo, enquanto oferece ajuda para aprovar a Reforma da Previdência.

Todo o governo, sem exceção, começa confuso e demora a se encontrar, mas o capital político avalizado pelo eleitor tem prazo de validade. O que surpreendeu no caso do atual presidente é que o apoio popular está derretendo rápido demais, como mostrou a última pesquisa do DataFolha. Bem devagar, as primeiras mudanças estão aparecendo depois de três meses. Além do anúncio do fim do Horário de Verão para 2019, para a felicidade geral, o ministro da Educação enfim foi demitido, deixando um rastro de 27 exonerações no Ministério em 90 dias. Ricardo Velez Rodrigues não foi o primeiro e nem será o último incompetente que apareceu na esplanada. Não há tempo a perder com despreparados.   

A popularidade em alta não dura para sempre e isso acontece com todos os governos. À medida que as decisões são tomadas, o consenso se parte em pequenas e grandes frações. A previdência é o exemplo mais emblemático. A maioria quer a reforma, mas o apoio se esgarça à medida que as propostas são definidas.  Hoje, o cidadão comum pouco se importa para a ideologia dos governantes, seja conservadora ou progressista. O eleitorado já pendeu para a esquerda e agora abriu passagem para a direita. Anseia por resultados concretos que amenizem as atuais dificuldades econômicas. Muita gente pensou que seria o fim do Brasil quando o ex-presidente Lula, representando um “projeto de esquerda”, elegeu-se em 2002. Pouco tempo depois, a expectativa negativa foi revertida e o primeiro mandato terminou com a popularidade em alta, puxada pelo bom desempenho da economia.

Ao contrário do que acontece na política ou no Judiciário, na economia não há impunidade. O mercado também não tem ideologia, possui suas próprias leis e não é um instrumento de justiça social. Sustenta quem defende os seus interesses e não tolera prejuízos. Procura o maior retorno com o menor risco e para isso nas suas entranhas promove, mas também conspira para derrubar governos. O vice-presidente Hamilton Mourão já começou a ser cortejado pelos grandes empresários.          

O Brasil da eleição estava cheio de esperanças. O país de abril de 2019 já assistiu, em 100 dias, a seis baixas consecutivas na previsão de crescimento. O ano começou com o balão dourado do Produto Interno Bruto (PIB) ostentando algo em torno de 2,5%. As indefinições em torno do futuro da Reforma da Previdência somadas aos desencontros governamentais rebaixaram as projeções para 1,97%, sendo que a tendência de queda persiste. A previsão para o PIB de 2020 também caiu, de 2,78% para 2,70%, segundo relatórios divulgados pelo próprio Banco Central.

Os mais desavisados podem achar que esses números são temas de conversa fiada entre os economistas. Na verdade, não são. Cada ponto ou fração do PIB significa empregos, vendas, arrecadação tributária e outros reflexos que repercutem na vida das pessoas. Não há como fugir dos problemas. O principal é a Reforma da Previdência, algo que sucessivos governos protelaram. Chegou a hora de enfrentar esse debate, de preferência sem ofensas, xingamentos e manifestações preconceituosas. Na lógica da economia, quando mais cedo isso ocorrer, melhor será para o país, pois a recuperação econômica está atrelada a essa questão. A reforma era para ser destrinchada no primeiro semestre e já está passando para o segundo, o que adia a retomada da atividade econômica para 2020. O país precisa de uma agenda clara que reduza custos e crie uma perspectiva de crescimento, algo que depende do governo, do Congresso e das manifestações do eleitorado. 

Compartilhar: