A cleptocracia

A cleptocracia

A democracia passa por um teste em cada eleição. No último pleito, o regime, em que teoricamente o poder é exercido pelo povo, enfrentou uma prova dura com a radicalização da campanha entre os dois principais partidos do país. A onda surgida na internet que colocava o resultado das urnas em dúvida não vingou por falta de fundamentação. Com a eclosão do escândalo na Petrobras, o que pode e deve ser colocado sob suspeita tem a ver com os financiamentos das campanhas eleitorais. As urnas nem tinham esfriado completamente e a opinião pública assistiu perplexa, mais uma vez, as denúncias que resultaram na prisão da elite empresarial do país ligada à construção civil. O mensalão, até então um esquema sem precedentes na história da corrupção brasileira, será dinheiro trocado perto dos desvios bilionários ocorridos na estatal do petróleo. Analistas políticos, sociólogos, cientistas sociais e o cidadão comum encontram dificuldades para mensurar o grau de corrupção que a política brasileira atingiu.

Mesmo com as imperfeições, o atípico sistema político do país resulta de uma longa e lenta evolução. Diante da nova avalanche de corrupção, envolvendo 85 dirigentes partidários e os altos executivos de nove grandes construtoras, chega-se à conclusão que mesmo com a substituição da monarquia pela república, da velha pela nova ordem republicana, o país nunca se livrou de fato de uma aristocracia privilegiada que manipula o poder para enriquecer de forma ilícita. Para se perpetuar nessa elite que comanda o país, mesmo perdendo os títulos da nobreza, esses aristocratas de outrora se transformaram nos oligarcas de hoje, os fidalgos de famílias centenárias que trazem a cabresto estados, municípios e a política nacional. Uma boa parte da nova safra de políticos que governa o país, nas prefeituras, assembleias, Câmara Federal e Senado, traz no sobrenome a demonstração inequívoca de que o poder permanece concentrado nas mãos de poucos. A força das oligarquias torna-se mais visível em estados como a Bahia, Maranhão e Alagoas, mas elas também comandam as cidades desenvolvidas do Sudeste. Esses grupos estão impregnados na administração pública. Difícil encontrar uma cidade da região que não tenha o Ministério Público investigando denúncias de corrupção.

Nessa perpetuação no poder, os oligarcas e os aristocratas se juntam aos burocratas plantados pelos partidos para aparelhar o Estado, subjugando o público ao privado. Ao se apossarem da administração pública, essa elite corrupta institui o regime do compadrio que se baseia na distribuição de privilégios, benesses, regalias e uma infinidade de apanágios. As denúncias feitas pela imprensa, nos últimos dias, escancaram as portas desse novo regime em que o poder emana de grupos minoritários que se apropriaram do patrimônio público. Faltava só uma expressão que definisse a nova forma de governo vigente no país, o regime da roubalheira bilionária institucionalizada. O termo chegou pelas ondas do rádio. Em entrevista à CBN, o colunista Walter Maierovitch cunhou uma expressão nova que bem define o regime atual do país: a cleptocracia. Na etimologia das palavras “cracia”, oriunda do grego, significa a forma de governo e vocábulo clepto configura o radical que especifica o roubo. A denominação criada pelo juiz aposentado, Walter Maierovitch, ainda não existe no dicionário, mas já pode ser incluída na próxima reforma gramatical para não deixar o cidadão brasileiro ainda mais desamparado, sem um termo adequado para exprimir, com uma só palavra, a república dos ladrões que saqueia o país.

Sem ingenuidade e até por dedução lógica, a cleptocracia não deve se restriingir à Petrobras. Na sequência do escândalo, o jornal “O Globo” publicou denúncias de corrupção nas estatais do setor elétrico. A Usina do Jirau, por exemplo, lá nos confins de Rondônia, longe de tudo e de todos, deve ser um prato cheio para os “cleptocracistas”. As estatísticas mostram que as investigações descobrem menos de 10% dos casos de corrupção. A operação lava-jato já está sem sua sétima fase e o relatório da Organização Transparência Internacional, sobre a percepção de corrupção, mostra que o Brasil é o 72º colocado no ranking entre 177 países analisados, uma colocação que mostra a gravidade da atual situação. Além de fazer o cidadão honesto e trabalhador, que paga seus impostos, sentir-se um otário, a corrupção gera instabilidade, mina os investimentos, acaba com a competividade, aniquila com os valores éticos e o pior de tudo: destrói o sonho de um país justo e com oportunidades de crescimento.



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