Contas no vermelho

Contas no vermelho

Durante muito tempo, as finanças públicas não fizeram parte da lista de preocupações dos cidadãos de uma cidade, de um estado ou de um país. Os recursos das prefeituras e dos estados eram assuntos restritos aos políticos, aos economistas e à imprensa especializada. Nos últimos anos, essa realidade começou a mudar numa espécie de efeito dominó com consequências imprevisíveis. O aviso mais contundente apareceu na falência do Rio de Janeiro. A derrocada do estado mais vistoso do país foi seguida pelo Rio Grande do Sul e por Minas Gerais. No plano municipal, há muito tempo, os cidadãos de centenas de municípios brasileiros percebem a queda constante na qualidade dos serviços públicos de saúde, de educação, de limpeza pública e de urbanização para citar apenas alguns exemplos.

Como consequência desse quadro, as greves de servidores se tornaram frequentes, fornecedores passaram a receber com atraso e as licitações começaram a ficar desertas de interessados. Recentemente, mais alguns fantasmas começaram a rondar a administração pública: a dificuldade para pagar os salários dos funcionários da ativa em dia e a falta de caixa para pagar até mesmo as aposentadorias.  Como faz todos os anos, no final de setembro, a Prefeitura de Ribeirão Preto enviou à Câmara de Vereadores o orçamento para 2020, prevendo as receitas e as despesas para o ano que vem. Mesmo que seja um ato formal de grande importância, a proposta de orçamento passa batido em meio a um noticiário recheado de brigas estéreis e tragédias cotidianas. 

O número absoluto do orçamento sempre causa espanto e provoca controvérsias. Ribeirão Preto deverá arrecadar no ano que vem um valor que se aproxima de R$ 3,5 bilhões. O número exato chega a R$ 3.415.247.161,00. A primeira impressão é que se trata de um montante vultoso, embora seja difícil imaginar as despesas de uma Prefeitura do tamanho de Ribeirão Preto que gerencia a vida de 700 mil pessoas.  O cidadão comum se pergunta. Como tanto dinheiro pode ser gasto? Já os governantes não se cansam de repetir que os recursos são insuficientes para atender todas as demandas. Nesse momento, começam as caças às bruxas e a procura por culpados. As preferências partidárias em relação a prefeitos, governadores e vereadores devem ser resolvidas na época eleitoral. Passado esse período, a situação precisa ser analisada com a frieza que os números exigem. Sem eximir os dirigentes atuais das responsabilidades, pois eram sabedores dessa situação antes de assumirem os cargos, a derrocada financeira nunca é uma obra recente, mas o resultado da soma de desacertos ocorridos ao longo do tempo. A complacência com vantagens excessivas, o endividamento irresponsável e a concessão de privilégios para os mais chegados são algumas das decisões que promovem o gradual e contínuo esvaziamento do cofre. 

Para perceber a gravidade da situação financeira da Prefeitura de Ribeirão Preto basta examinar algumas notícias recentes. No início do ano, o município concedeu reajuste zero para o funcionalismo e o dissídio foi parar na Justiça. Em setembro, o pagamento em dia do salário dos funcionários da ativa só ocorreu por causa de um repasse da Câmara de Vereadores. Através de um comunicado, a Prefeitura informou que parte dos aposentados e dos pensionistas receberá os salários de forma parcelada. O Município alega que não tem recursos suficientes para pagar integralmente os salários de 2.500 aposentados e pensionistas que recebem benefícios acima de R$ 3.500,00 líquidos por mês. O número total de beneficiários é de 6.000 que ganham quase R$ 40 milhões mensais. Estima-se que a Prefeitura deveria repassar R$ 37 milhões para o Instituto de Previdência dos Municipiários (IPM), mas só teria transferido R$ 12 milhões. Proposta semelhante já foi cogitada para os 9.000 servidores da ativa. Pelo mesmo critério, cerca de 1,6 mil funcionários que ganham mais de R$ 3.500,00 por mês receberiam parcelado.

Faltando ainda mais três folhas de pagamento para serem quitadas até o final do ano, as finanças públicas revelam números preocupantes para os servidores e a população de Ribeirão Preto que depende dos serviços públicos. O Sindicato dos Servidores entrou com um mandado de segurança na Justiça cobrando o pagamento em dia das aposentadorias.  A Justiça não aceita a falta de recursos como argumento para o não pagamento de salários. O prefeito tem os limites impostos pela Lei de Responsabilidade Fiscal, sob pena de cometer ato de improbidade administrativa. Pelos parâmetros da legislação, os recursos de outras áreas não podem ser transferidos. 

Com a economia em crise, as receitas têm crescido menos que as despesas. As demandas também só aumentam em função do envelhecimento da frota de veículos e as necessidades de investir em reformas dos prédios públicos. Escolas do município correm o risco de serem interditadas por falta de segurança. Daquele montante vultoso de quase R$ 3,5 bilhões, mais de 90% estão carimbados, ou seja, estão destinados para pagamento de salários e despesas de custeio. No curto prazo não existem soluções mágicas. Assim como estão fazendo as empresas privadas, a Prefeitura de Ribeirão Preto terá que cortar despesas, buscar ganhos de eficiência e encontrar soluções criativas para aumentar a arrecadação. Os problemas atuais não são passageiros, passaram a ser uma realidade que veio para ficar. 

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