Cortina verde e amarela

Cortina verde e amarela

Recursos públicos destinados a construção de estádios superfaturadosQuando o brasileiro entra em campo, ele muda o jogo. Na torcida não tem banco de reservas. Somos todos camisa 10 e com talento de sobra para mudar o resultado de uma partida. Nesta Copa do Mundo, acredite, grite e cante. # isso muda o jogo”. O texto do comercial acima representa bem a onda ufanista que daqui para frente contaminará milhões de corações e mentes. Na reta final dos preparativos para a Copa, o discurso oficial das autoridades e das entidades esportivas, o marketing das empresas e as criações contagiantes do mercado publicitário derramarão sobre o país uma gigantesca cortina de fumaça verde e amarela. Se a visão do Brasil fosse baseada apenas na leitura da mídia em torno do futebol e da Copa, a nação reluziria como ouro perante a opinião pública mundial, mesmo que essa seja uma realidade mascarada que não corresponde à verdade. O governo brasileiro, a FIFA e o Comitê organizador da Copa farão de tudo para que o Brasil não mostre a sua cara verdadeira. Em 1970, no auge da Ditadura Militar, com a conquista do Tricampeonato Mundial, no México, houve uma onda de ufanismo estatal, agora, surgiu um misto-quente, recheado por interesses públicos e privados. É a volta da famigerada metáfora da pátria de chuteiras na mais cara de todas as copas.

Alguém até pode pensar que não há mal nenhum em retocar a maquiagem, esconder a pobreza e algumas favelas para aparecer bem na foto, mesmo que as precárias obras não correspondam à realidade da infraestrutura brasileira com estradas esburacadas e aeroportos superlotados. No país sede da Copa, desta vez, a maré do nacionalismo exacerbado será uma patranhada bem mais intensa que as anteriores. O noticiário vira uma bola com a overdose de futebol que mascara, esconde, disfarça, maquia, dissimula, oculta e camufla cenários. O olhar desvia, o enfoque muda e por um lapso de tempo o peso dos fatos muda. Abrem-se as cortinas para as escalações e a vida íntima dos jogadores. A embaixada do Robinho se torna mais importante que o confronto no Egito. O Felipão terá muito mais espaço que o Joaquim Barbosa. O ufanismo distorce a percepção humana e faz o pote das emoções transbordar. A senda do gol narrado pelo Galvão Bueno passa pela bolha da fantasia a um passo do comportamento catártico.

Basta ver a forma como as notícias são tratadas. Os acidentes que matam os trabalhadores que constroem os estádios são vistos como entraves à conclusão das obras. Na semana passada, mais uma vez, o Globo Repórter mostrou um quadro aterrorizador da saúde brasileira. No Rio de Janeiro, as chuvas e os desmoronamentos, que todos os anos enterram famílias, novamente se repetiram. Não há o que fazer. Os nossos minguados recursos estão, irremediavelmente, comprometidos com a construção de 12 arenas superfaturadas com mordomias e privilégios que a imensa maioria dos brasileiros jamais desfrutará. Durante a Copa, todo o aparato repressivo brasileiro das três armas, que pouco se mobilizam para conter o contrabando e o tráfico de drogas, por exemplo, será ostensivamente utilizado para dar comodidade e segurança a todas as grandes marcas estrangeiras que patrocinam a Copa do Mundo. Será preciso fazer um adendo à Constituição: as manifestações políticas e sociais são livres desde que feitas a uma distância segura dos estádios do Mundial.

Fora das quatro linhas, haverá um grande jogo entre o discurso oficial com o falso apelo “de que somos todos iguais em um país só” e aqueles que entrarão no campo das ruas para mostrar que a nação cheia de mazelas não poderia desperdiçar tanto dinheiro. O futebol e a pura paixão do brasileiro pelo mundo da bola não têm nada a ver com essa exploração política e econômica. Além do desempenho das 32 seleções, o ano começará com uma enorme expectativa e com uma pergunta que ainda não tem resposta: em junho de 2014, que rumo tomará o movimento popular que sacudiu o país em junho de 2013? Para terminar, uma recomendação: se você não tem ingressos para assistir aos jogos da Copa, não faça planos para o período de 12 de junho a 13 de julho. Fique em casa sem andar de táxi, de avião ou se hospedando em hotéis. Caso contrário, você pode ser confundido com o turista interessado nos jogos e pagar preços absurdos por serviços inflacionados pela Copa.

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