A crise livreira

A crise livreira

Ler um livro é para o bom leitor conhecer a pessoa e o modo de pensar de alguém que lhe é estranho. É procurar compreendê-lo e, sempre que possível, fazer dele um amigo”, declarou Hermann Hesse, autor do Lobo da Estepe, considerado um dos melhores livros da literatura alemã. O escritor Aldous Huxley, visionário de um mundo novo e um expoente da literatura inglesa, também definiu numa frase a intensa relação que se estabelece entre autores, leitores e os livros. “Dá tanto trabalho escrever um livro mau como um bom: ele brota com igual sinceridade da alma do autor.” Um exame da lista de escritores da literatura universal constata que em algum momento da vida os melhores autores do mundo fizeram alusões ao caráter transformador da literatura e dos livros. Quem lê alguma obra da universal literatura russa, por exemplo, fica com a impressão de que Tolstoi, Dostoievsk e Gorki contaram histórias corriqueiras, muito próximas do mundo que nos cerca.  

Bem perto de nós, na vizinha argentina, o escritor Jorge Luís Borges filosofou com a sua genial simplicidade: “sempre imaginei que uma livraria fosse um paraíso”. Pois bem, a realidade atual está jogando por terra essa ferramenta que por séculos embalou o conhecimento e a cultura da humanidade. A literatura e os livros sedimentaram o desenvolvimento da nação e moldaram o pensamento político, econômico e social de gerações. A leitura estimula a criatividade e tem um papel fundamental na formação da ideologia e da visão de mundo. Quem não leu um livro marcante que mudou sua vida? No Brasil, a crise econômica que já completa longos quatro anos, já provocou muitos estragos como o desemprego, a deterioração do sistema de saúde e até mesmo a falta de conservação de pontes e de viadutos. Uma consequência mais difícil de perceber, mas nem por isso menos perversa preocupa: as livrarias estão fechando devido à queda das vendas, escancarando uma cadeia de problemas que vai das editoras até o leitor final, com graves reflexos para a cultura nacional.

De acordo com uma pesquisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), a recessão na economia foi responsável pelo decréscimo de 21% no segmento editorial entre 2006 a 2017. Isso corresponde a uma perda de R$ 1,4 bilhão. Em 30 de outubro deste ano, com 104 anos de atuação, a Livraria Saraiva anunciou o fechamento de 20 das 84 lojas que possuía no país. Uma semana antes, a Cultura havia entrado com pedido de recuperação judicial, depois de sucessivos atrasos no pagamento de editores. Há um ano, a rede francesa Fenac encerrou as operações no Brasil, alegando falta de rentabilidade nas suas operações. Nas grandes cidades brasileiras, as livrarias estão restritas aos shoppings. As pequenas empresas familiares no comércio do centro fecharam as portas bem antes. A aceleração da migração para as mídias digitais, associada à crise econômica, atingiu em cheio o setor cultural, afetando não só as livrarias, mas também os cinemas, as locadoras, galerias de arte e vários segmentos ligados à cultura.

Nas avaliações mais otimistas, editores e profissionais da área costumavam dizer que o leitor brasileiro estava em formação, mas os números demonstravam que com as conhecidas fraquezas do ensino, a leitura de livros nunca esteve entre as prioridades de parcelas expressivas da população. Agora, além da crise econômica, a concorrência aumentou. O Século XXI certamente não será a era do livro de papel ou do e-book, mas do celular, das redes sociais, das séries de TV e dos jogos de videogame e de muitas outras invenções que ainda virão por aí. São poucos os pais que conseguem colocar um livro nas mãos dos filhos, mas a grande maioria não resiste à pressão pela compra do primeiro celular ou do tablet por crianças e adolescentes que ainda não atingiram a maturidade pessoal e intelectual.

Decididamente, o livro nunca esteve entre as prioridades da família brasileira. Em tempos de crise, essa situação se agravou. Na sociedade digital, o tempo é uma mercadoria cada vez mais escassa que enfrenta fortes concorrentes, entre eles os serviços de streaming, conteúdos que estão à disposição qualquer hora. Há que se buscar um equilíbrio entre as diversas formas de entretenimento. Embora essas mudanças sejam irreversíveis, pais, professores, editores e profissionais ligados à área das ciências humanas precisam iniciar um processo de educação para que o livro continue a ter um espaço importante na formação das pessoas, principalmente dos estudantes. Também há necessidade que políticas públicas estimulem esse hábito para que o espaço do livro seja preservado, bem como a sua importância na formação cultural e profissional. 

Compartilhar: