
A culpa é dos vilões
A maior derrota de quem perde é não saber reconhecer as limitações, não aprender com os próprios erros e continuar repetindo o mesmo comportamento. Em época de Copa, a mídia insufla na massa de torcedores uma falsa superioridade, a despeito dos campeonatos mal organizados, da TV fazer a gestão do futebol, da exportação precoce de jogadores e da dinastia sem controle que se instalou na entidade que comanda o futebol. Nessa visão acrítica que a mídia propaga, eivada de patriotismo exacerbado, o futebol brasileiro sempre aparece como o melhor do mundo, independentemente das performances e dos resultados. A mídia vende com sucesso a ideia de que somos sempre os melhores, só não ganhamos quando um vilão atrapalha.
Para criar o mundo da fantasia em que o futebol brasileiro se transformou, repórteres, comentaristas e narradores destilam um rosário de estatísticas para justificar uma falsa superioridade, como se o passado pudesse justificar o presente. Entre esses profissionais existe uma espécie de disputa velada. O melhor profissional esportivo não é o que analisa o jogo de maneira mais crítica, mas o que possui a melhor memória de jogos e de resultados. Nesse jogo fantasioso, o jogador brasileiro privilegiado pela natureza já nasce com o DNA do talento.
O esporte não está contaminado pela política, mas pela TV. Quando as partidas deixaram de ser transmitidas somente pelo rádio, mas também passaram a ser vistas pela televisão, consolidou-se a visão de uma supremacia nata. A convicção sobre a superioridade brasileira se cristalizou no México, em 1970, quando a seleção do tricampeonato disparou uma chuva de gols sobre os adversários. De lá para cá, fomos induzidos a acreditar que somos detentores de uma hegemonia perenizada por cinco títulos mundiais, mesmo que a forma de se jogar futebol das primeiras copas não tenha nada mais a ver com a atual.
A seguir, confira o replay dos principais vilões e desculpas do futebol brasileiro no decorrer das copas. Em 1978, a culpa foi da arbitragem. Argentina, dona da casa, roubou a Copa ao comprar a Seleção do Peru. Mesmo assim, fomos os campeões morais do Mundial, sem perder nenhum jogo. Em 1982, na Copa da Espanha, o nosso era time era o melhor disparado, só não ganhamos porque o italiano Paolo Rossi, sem cerimônia alguma, fez três gols numa só partida. Ninguém questiona se o goleiro e a defesa da seleção dos sonhos eram um pesadelo. Em 1986, no México, a Copa seria nossa se não fosse o idolatrado Zico perder um pênalti contra a França, logo ele que era um exímio cobrador. Até hoje, vira e mexe, o ex-craque do Flamengo precisa explicar para os jornalistas esportivos porque perdeu aquele pênalti. Zico carregará essa “mácula” no currículo até o túmulo, assim como aconteceu com o Barbosa, o goleiro que cometeu o pecado de não ter defendido um chute na Copa de 50. A palavra tragédia se aplica bem quando um viaduto mal construído desaba sobre as pessoas, não é bem o caso do gol que o goleiro não conseguiu evitar.
Em 1990, perdemos para a Argentina do craque Maradona. Quem foi o culpado? O Dunga que de tanto ser xingado e hostilizado virou um cara zangado, amargurado, até hoje mal visto no mundo do futebol. Em 1994, na Copa dos Estados Unidos, não reclamamos de nada porque a gente ganhou, confirmando que, de fato, somos os melhores. Em 1998, estivemos com a mão na taça na Copa da França. Chegamos a final e só não ganhamos porque o Ronaldão teve uma convulsão horas antes da partida e isso desconcentrou o time bem na hora do jogo. Aí o povo inconformado espalhou que o jogo foi comprado pela Nike.
A Copa de 2002 foi um arraso, mais uma conquista incontestável, Brasil pentacampeão do mundo, com direito a declaração de amor do Cafu. Em 2006, era mais um caneco certo para a nossa coleção, se não fosse o Roberto Carlos largar o Henry para arrumar as meias. Por mais que ele tente explicar o que aconteceu, que não era ele o marcador do atacante francês, não adianta. Roberto Carlos é mais um que ficará marcado por esta falha para o resto da vida. Em 2010, também tínhamos tudo para ganhar, se o Júlio César e o Felipe Melo não tivessem trombado naquele erro clamoroso contra a Holanda. E em 2014 com a Copa no Brasil? Claro que a gente tinha que ganhar, mesmo que o time tenha apresentado um futebol sofrido e que outras seleções jogassem melhor, casos da Alemanha, Holanda e Argentina. Mesmo que o futebol brasileiro tenha apenas um único craque e muitos jogadores ricos e famosos que não jogaram nada, quem são os culpados pelo apagão na Copa? Os vilões da vez já foram escolhidos. Uma guilhotina para o Fred e outra para o Felipão!