Democratismo inconsequente

Democratismo inconsequente

Já tinhamos a saúde como um problema público e social grave da cidade que se arrasta há anos sem perspectivas de solução. Agora, as atenções da opinião pública municipal se voltam para o transporte coletivo com a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) pela Câmara de Vereadores que apura o descumprimento do contrato e falta de investimentos das empresas que ganharam a concessão. A consequência do transporte público de má qualidade é a expansão vertiginosa de carros e motos. O crescimento excessivo do transporte particular superlotou avenidas e cruzamentos. Com essa velocidade da frota, logo Ribeirão Preto vai trombar com os grandes congestionamentos que ocorrem nas capitais.

Já o problema do tráfego de veículos no centro da cidade e a falta de locais para estacionar é mais dfícil de resolver. No momento em que se discute o Plano Diretor e a importância do planejamento urbano para os próximos anos, inesperadamente, a Prefeitura de Ribeirão Preto, através da Empresa de Trânsito e Transporte Urbano (Transerp), renuncia ao seu papel (explícito no próprio nome) de gestora do transporte. Pressionado por descumprir 17 itens do contrato em menos de um ano, o Consórcio PróUrbano apontou 24 vias que deveriam ter as vagas de estacionamento eliminadas. A Prefeitura escolheu 13 ruas e avenidas que podem ter os locais de estacionamento proibidos. A renúncia ao papel de gestora do transporte do Município está estampada no próprio site www.ribeiraopreto.sp.gov.br e no material distrbuído pela assessoria de imprensa. “Uma enquete está disponibilizada no Portal da Prefeitura para que a população vote e escolha as vias que devem ter restrição de estacionamento e implantação da terceira faixa”. Quer dizer então, que sem nenhum estudo ou cálculo o cidadão dá uma olhada geral, mata no peito e diz em quais áreas a proibição será uma boa? Depois, a Prefeitura ignora os estudos técnicos, implementa o que o povo quer ou soma tudo, faz uma média dividindo por dois?

Se essas situações anômaIas acontecem muito com quem está na defensiva, acuado por vários problemas e com a imagem desgastada, mas nenhum governo, de que esfera for, pode abrir mão da sua função precípua.  Prefeituras existem para administrar, pois recebem uma delegação do eleitor para resolver problemas da melhor maneira possível. Se a retirada das vagas de estacionamento for de fato a solução ideal para melhorar a fluidez do trânsito, a Prefeitura deve investir-se desse poder, realizar os estudos técnicos necessários e tomar a melhor decisão. Se a administração for de fato democrática, pode reunir os principais interessados, empresários, empresa de ônibus e representantes da população para discutir as medidas e, se possível, minorar os impactos.  A Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto (ACIRP), parte interessada que representa os comerciantes que terão seus negócios afetados pelas mudanças, até o começo desta semana não tinha sido chamada para discutir o assunto. Lembrando que a ACI tem distritais que acompanham a realidade de cada uma dessas regiões.

A falta de diálogo com partes interessadas não é uma postura democrática, mas autoritária. A enquete na internet não passa de democratismo, uma consulta artificial, sem consequências mais sérias. Serve apenas para dar legitimidade à decisão que, ao que tudo indica, já está tomada. A própria Transerp diz que o estudo já foi feito, mas ninguém assegurou que o resultado da votação será respeitado. Que decisão a Prefeitura tomará se os estudos mostrarem que as vagas de uma rua devem ser suprimidas para que os ônibus possam circular com mais rapidez e os comerciantes daquela região se organizarem para votar contra a medida? Votações na internet são meramente indicativas, não são representativas e não possuem valor de amostra científica. Temorosa por mais desgaste, a Prefeitura quis colocar um verniz democrático na solução. Quem governa deve levar em conta o interesse público da maioria de forma democrática e transparente sem criar artifícios para ludibriar a opinião pública. Não se pode perder tempo com secos e molhados. Os problemas de uma cidade precisam ser discutidos com seriedade.

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