
Depois do Carnaval
O título de país do Carnaval ninguém tira. A festa mais popular do Brasil migrou do salão para as ruas onde tem mais espaço e ninguém paga para entrar. Na rivalidade com o Rio de Janeiro, São Paulo imitou a tradição carioca com os blocos de rua e conseguiu atrair 2 milhões de pessoas. A Capital Paulista se preparou o ano inteiro para organizar o Carnaval dos grupos populares, mas mesmo com a escolha de locais apropriados, o reforço da segurança e a instalação de 21 mil banheiros químicos a violência sempre aparece nas grandes concentrações. Apesar de tanto banheiro espalhado, dois jovens foram assassinados por um motivo fútil em um posto de gasolina, no bairro de Pinheiros, na zona oeste de São Paulo. A discussão insensata sobre o uso de um banheiro teve um final trágico e provocou duas mortes. Quem vai para o Carnaval de rua não pode só pensar em se divertir, também precisa prestar atenção no meio ambiente e cuidar da própria segurança.
Em Ribeirão Preto, depois do caminho aberto pelos Alegrões e pelo Cauim, os blocos se espalham pelos bairros, ante o vazio deixado pelo fim do Carnaval das escolas. Sucessivos governos municipais desfilam pelo poder, sem que se consiga articular um projeto junto às escolas de samba para resgatar essa antiga manifestação popular. Enquanto o Carnaval de salão resiste em poucos clubes, a festa dos blocos ganha força e vai se espalhando pela cidade. O pré-carnaval do Califórnia, realizado no estádio Santa Cruz, surpreendeu com um público estimado em 50 mil pessoas. A violência também deu as caras. Ladrões aproveitaram a grande concentração e levaram celulares e objetos dos foliões.
Reino encantado onde até mesmo as piores controvérsias tornam-se engraçadas, o Carnaval vira uma paródia de quatro dias que satiriza o Brasil do ano inteiro. Em 2018, os homens que fiquem atentos, pois uma campanha anuncia que no refrão das mulheres o não significa não, uma tentativa de estabelecer o limite para o assédio durante os dias de folia. Pelo sobrenome, Cristiane Brasil, a eterna candidata ao Ministério do Trabalho, será o ícone da falta de credibilidade dos políticos brasileiros. Mesmo gravada em flagrante, a filha de Roberto Jefferson não desiste e certamente daria um ótimo samba-enredo.
Outro famoso deste Carnaval deverá ser o polêmico ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Depois de mandar soltar tanta gente, Gilmar Mendes está com dificuldades para andar na aviação comercial. Dia desses foi impiedosamente vaiado em um voo de carreira e diante do constrangimento público ao qual foi submetido pediu para viajar nos jatinhos da Força Área Brasileira (FAB). Essa vaia ainda vai nos custar caro, mas certamente a máscara do Gilmar vai cair e será uma das mais vistas no Carnaval deste ano.
Há pouco tempo, um mês antes de o Carnaval chegar, havia a sensação de que ocorreria uma guerra civil no país quando o ex-presidente Lula foi julgado em Porto Alegre, mas a sentença saiu e nada aconteceu. Pelo menos por enquanto, o ódio, a discórdia, o espírito revanchista não predominaram. Por ora, a disposição para a folia vem em cima do abre-alas. Afinal, essa festa única provoca manifestações de alegria, seja pela descontração, pela irreverência, pelo bom-humor, diante de tanto escândalo e tanta corrupção. Talvez esteja aí o segredo da sua enorme aceitação popular mostrada nas imagens da TV de norte a sul. A folia curta escancara a diversão de um povo sofrido, sufocado pela crise, mas que nesses dias reúne energias para espalhar pelo país um pouco de leveza e de esperança em um mundo melhor. Algo como uma convivência amistosa do incendiário presidente americano, Donald Trump, e o ditador norte-coreano, Kim Jong-Um, que só é possível na brincadeira dos bonecos de Olinda. Embora não devesse ser assim, o ano no Brasil começa, para valer mesmo, depois que a folia do Carnaval passar.