Desanuviando o horizonte

Desanuviando o horizonte

O processo que culminou com o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff foi longo, cansativo e teve um custo político e econômico arrasador para o país. A produção industrial despencou, as vendas no comércio desabaram, a inflação subiu, as finanças públicas se deterioraram e a massa de desempregados chega ao alarmante número de 12 milhões. Hoje, a Ribeirão Preto da economia pujante tem centenas de estabelecimentos fechados, prédios e salas para alugar. Quem dá uma volta pelas ruas e avenidas da cidade constata a expansão da rede “aluga-se”.


Há nove meses só se fala no impeachment. O debate sobre os problemas e as alternativas econômicas ficou estagnado. Nesse agosto que bem merece o título de mês do desgosto, primeiro só se falava em Olimpíadas, nos recordes e nas medalhas. Embora os jogos sejam algo significativo para o mundo, com lindas histórias de superação, há outras questões prioritárias e que deveriam impedir um país com tanta pobreza de gastar bilhões de reais.


O interesse das pessoas e os espaços da mídia se retroalimentam numa espiral sem limite. Quanto mais o assunto chama atenção, mais espaço ele terá, mesmo que para isso seja necessário suprimir outras informações de interesse. A discussão que se arrastou no Senado Federal parecia um debate surdo, um jogo de cartas marcadas, onde não importava o que estava sendo dito, pois ali estavam expressas posições arraigadas em busca de legitimação e de supremacia. No desfecho, a presidente cassada Dilma Rousseff colheu aquilo que plantou. Com graves limitações teóricas e comunicativas, fechou-se numa redoma que a isolou do seu próprio partido, dos políticos e da sociedade. Foi no mínimo conivente com a corrupção que envolveu seu governo. Fatos recentes demonstram  que sua campanha eleitoral foi paga com dinheiro ilegal. Não tinha nenhuma habilidade política, tanto que votos decisivos para a sua cassação vieram de deputados e senadores que fizeram parte do seu ministério. Com poucos e barulhentos aliados, Dilma Rousseff, no seu segundo mandato, entra para a história como a presidente que pedalou, desrespeitou a constituição e provocou a maior crise econômica vista até agora.


Ao utilizar a legislação do impeachment, o país descobriu uma verdadeira jiboia jurídica guardada no armário. O processo segue um rito sinuoso e desgastante. A Câmara dos Deputados gasta um tempão para votar a admissibilidade do processo, mas o Senado pode anular tudo. Alguns senadores que participaram das comissões chegaram a votar cinco vezes: para admitir o processo, para formar a comissão processante, para votar o parecer na comissão até a opinião final em plenário. Esse arcabouço jurídico nem de longe é o problema mais importante a ser enfrentado. A saída de Dilma não significa que todos os problemas serão resolvidos. Tão pouco dá um salvo-conduto para o governo que está começando. As ruas terão que continuar falando. Provavelmente, o Congresso Nacional só vai se lembrar do impeachment novamente quando outro governante achar que as regras constitucionais podem ser manipuladas de acordo com os interesses partidários e que a Lei da Responsabilidade Fiscal não deve ser levada tão a serio. Com tantos discursos, pouca gente lembra que o déficit orçamentário para este ano está previsto em R$ 170 bilhões e que a Previdência Social emite sinais de que, nos próximos anos, poderá dar um calote nos segurados. Também não está em curso nenhuma ação econômica que possa tirar 12 milhões de brasileiros da desesperadora condição de desempregados.


Justamente neste momento tenso e complicado que o país enfrenta, um dos livros mais importantes da história da humanidade completa 500 anos. A Utopia, escrita pelo humanista Thomas More, descreve uma república imaginária governada pela razão. Entre vários assuntos abordados — finanças, poder e economia — também destaca a corrupção que o dinheiro provocava há 500 anos. Desde que consolidou a sua República e que se livrou das ditaduras, o Brasil voltou a escolher governantes e consolidou as instituições democráticas. Nossa história está só começando. No ínfimo período de 24 anos, com aval do Supremo Federal (STF), destituímos dois presidentes, um considerado de direita e outra considerada de esquerda. Nesse mesmo tempo, as passeatas desencadearam o impeachment e as minorias ampliaram a sua voz. Continuamos sonhando com um mundo ideal e imaginário. Ainda precisamos resgatar a igualdade racial e a de gênero. Nossa cidadania não pode continuar sendo medida pelo consumo. A utopia brasileira está sendo escrita e ainda tem muito por vir. A sociedade que almejamos nem precisa ser muito complexa, basta que dentro dela caiba o potencial que existe dentro de cada um. 

Compartilhar: