
Descaminhos da normalidade
No dia 9 de janeiro, em plena luz do dia, Michel Gold-farb Costa, de 35 anos, até então conhecido como um cidadão “normal”, vestiu um colete à prova de balas, saiu de casa ensandecido pelas ruas de São Paulo, disparando contra quem aparecesse pela frente. Roubou carros e por pouco não matou várias pessoas. Em novembro de 1999, Mateus da Costa Meira, estudante de medicina, fez algo parecido, mas com maior poder destruidor. Disparou vários tiros com uma submetralhadora na plateia do filme “Clube da Luta”, em um shopping de São Paulo. Matou três pessoas. No ano passado, em uma tragédia sem precedentes na história do Brasil, no massacre da escola de Realengo, no Rio de Janeiro, Wellington de Oliveira assassinou 12 crianças.
Salta aos olhos o crescimento do número de doenças mentais graves. Provavelmente, você conhece alguém com algum tipo de distúrbio mental. Na literatura especializada, o aumento do número de casos de insanidade é conhecida como a “praga invisível”. As estatísticas revelam que pelo menos 1% da população mundial sofre de alguma perturbação mental, provocada por doenças como o transtorno bipolar, as psicoses e a esquizofrenia. Não se sabe ao certo porque isso vem ocorrendo. Os antigos pensadores chegaram a especular que a loucura seria uma fuga de uma verdade dolorosa demais. Como mostrou o filme estrelado por Russel Crowe, até mesmo “mentes brilhantes” são acometidas de delírios e de alucinações.
Na medida em que esses casos afloram, emerge também o despreparo das famílias e a falta de informação para ajudar as pessoas que sofrem de algum distúrbio mental. Os altos preços dos medicamentos, a precariedade do atendimento público e a ausência da perspectiva de cura definitiva tornam as doenças mentais um drama para os pacientes e as suas famílias.
O desconhecimento costuma ser um terreno fértil para o preconceito, onde grassam expressões do tipo “doido varrido” ou “fora da casinha”. Em vez do estigma ou de ser vítima de uma brincadeira jocosa, a pessoa que se encontra nessa condição precisa de ajuda para romper o isolamento que a cerca. O conhecimento dos sintomas e da gravidade dessas doenças já são um caminho. Permitiriam que as pessoas que sofrem de distúrbios mentais recebessem ajuda, talvez a tempo de evitar a consumação dessas tragédias.
Até para os “normais”, as raias que separam a loucura da conduta padrão são linhas nem sempre muita nítidas. O cérebro doentio não consegue discernir o real do imaginário. A história está cheia de pessoas “normais” que cometeram barbaridades. Embora os padrões de normalidade não sejam muito mais consistentes que os devaneios, existem pessoas que levam uma vida com pouca interferência da tristeza, da ansiedade e da instabilidade. Na maior parte do tempo, são maiores que a dor. Outras experimentam emoções bem opostas. Exasperam-se com facilidade, sentem-se inseguros diante de dificuldades e literalmente travam em momentos de pressão. Máquina mais perfeita do corpo humano, o cérebro também tem seus limites e recebe de bom grado as mensagens positivas das pessoas que cuidam da saúde mental, levando a vida com tolerância, tranquilidade e pequenas doses de bom humor.