A devoradora de livros

A devoradora de livros

Mais um ano letivo está começando. Pais esperançosos mandam seus filhos para a escola, mas os caminhos da educação vão muito além da matricula, do pagamento de mensalidades e da compra do material escolar. A formação de um filho passa por um longo e incansável processo de acompanhamento. Todo mundo sabe que a educação está na raiz dos problemas brasileiros, mas entra governo e sai governo e o descalabro continua. Na pátria educadora da presidente Dilma Rousseff, o piso dos professores é inferior a R$ 2.000,00. Desiludidos, alguns mestres estão abandonando o magistério. Para quem pode pagar, as escolas particulares oferecem uma educação de qualidade com muitos recursos e possiblidade de acesso a uma imensa gama de conhecimentos. A unificação dos sistemas de seleção para o ingresso nas universidades públicas acirrou a disputa e fez surgir uma legião de estudantes bem preparados. Não há mais espaço para o improviso ou golpes de sorte nas provas de múltipla escolha. Este ano, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) teve 6,2 milhões de candidatos e 530 mil tiraram nota zero na redação.

No meio de tanto desalento, com jovens ainda indecisos e desmotivados, chamou a atenção o resultado alcançado pela estudante do Colégio Santo André de Jaboticabal, Lívia Armentano Sargi, que tirou a nota 1.000 na redação do ENEM e obteve média geral de 852 pontos. Em todo o país, só 250 estudantes conseguiram tirar a nota máxima. Claro que o ENEM está cheio de estudantes com notas fantásticas, mas o que chama a atenção no caso de Lívia é a sua maturidade aos 17 anos, provavelmente oriunda da sólida formação e das leituras habituais. Por isso, vale a pena examinar o seu currículo e a sua receita de sucesso. “Sabia que a nota no Enem faria a diferença. É uma recompensa pelo esforço e a dedicação que tive especialmente com redação. A nota mil foi resultado de muito treino, muitas redações escritas, lidas e revisadas. Escrevia uma redação por semana, mesmo nas férias. Também lia bastante e tinha interesse pelos temas contemporâneos da sociedade para me manter atualizada”, conta a estudante.

Aos seis anos, descobriu um déficit auditivo de 50% e o que poderia ser um empecilho foi transformado em motivação para criar diferenciais. “Para quem lê, nenhuma proposta de redação é surpreendente. Você está preparado para qualquer assunto que seja proposto. O segredo de um texto, muitas vezes, é simplesmente fugir do óbvio”, ensina a estudante. Com a redação intitulada “Agente civilizador”, Lívia apresentou a publicidade como uma maneira de formar o espírito crítico nas crianças e nos adolescentes, ajudando a entender o contexto sociocultural em que vivem. A receita da estudante para alcançar esse resultado no exame não tem nada de mirabolante e pode ser estendida à formação universitária, à preparação exigida pelos concursos públicos e à própria vida.

Infelizmente, a grande maioria das pessoas ainda não se convenceu da importância da leitura e gasta tempo demasiado com programas insossos e navegações deletérias. Uma olhada nos índices de leitura revela um Brasil avesso aos livros com média de quatro obras por habitante. Com a consistente média de 30 livros lidos por ano, a jovem estudante de Jaboticabal é o que se poderia chamar de um ponto fora da curva. “Gosto de vários gêneros, mas principalmente ficção, fantasia, literatura e filosofia. Meu livro preferido é ‘A Sombra do Vento’, do espanhol Carlos Ruiz Zafón.” Desde pequena, os livros são seus companheiros inseparáveis. Dentro da bolsa da estudante, já estiveram autores como Érico Verissimo (Clarissa), Jorge Amado (Capitães da Areia) e a série ‘O Senhor dos Anéis’, do escritor britânico J. R. R. Tolkien. Também considera fundamental a leitura de obras com viés social e crítico e cita o “Amor Líquido”, do sociólogo Zygmunt Bauman.

Com uma bagagem cultural tão sólida, era de se esperar que a estudante optasse por alguma profissão voltada à área social. Certamente também seria uma ótima jornalista. Influenciada pela mãe, escolheu o Direito. “Essa decisão veio de uma promessa que eu fiz para mim mesma, quando pequena. Se um dia eu pudesse fazer algo para combater as injustiças que acontecem no Brasil, eu faria. Estou no caminho para realizar isso”, conta a estudante. Aprovada em outras faculdades, optou pela Universidade Federal do Paraná, obteve a oitava melhor colocação. Além do bom conceito do curso, gosta de Curitiba. Depois de formada, Lívia pretende se tornar juíza, pois não se conforma com a “fragilidade do sistema Judiciário no Brasil”. Parabéns Lívia pelo seu esforço e desempenho. O país está precisando de jovens idealistas e determinados, dispostos a mudar a realidade atual. Apesar de ser muito jovem, a partir de agora, você já carrega a responsabilidade de ser uma referência para os adolescentes da sua geração.

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