
Dificuldades no plural
Dezembro chegou, o que significa que mais um ano está terminando. Mais alguns dias e o Natal e o Ano Novo passarão num piscar de olhos. Abre-se a temporada das avaliações, das promessas e das projeções para 2020. Nesse processo reflexivo, cada um faz a sua análise sobre a própria conduta, verifica os erros e acertos e tenta encontrar a posição em que se enquadra nesse conturbado mundo de hoje. Cada percepção é única, portanto tem gente que toca a vida para frente sem prestar muita atenção ao calendário e as nuances da modernidade. Afinal, nem sempre dá para encontrar as respostas para todas as perguntas ou propor soluções ideais para antigos e novos problemas. Para muitos, essa busca pelos significados de situações e do sentido da vida torna-se um processo muito angustiante.
Para ajudar nessa avaliação coletiva e de entendimento das grandes transformações da atualidade, há quatro anos, a consultoria Cause/Idea Big Data faz uma pesquisa para eleger a palavra do ano no Brasil. Cerca de 1,5 mil pessoas foram entrevistadas em todas as regiões do país. As sintomáticas e reveladoras palavras que retratam o estado de espírito da nação, dos últimos três anos, foram corrupção (2016), indignação (2017) e mudança (2018). A palavra do ano significa uma espécie de farol sobre o sentimento geral da opinião pública. Mesmo que o resultado da pesquisa seja com base em uma amostra, as três primeiras palavras captam muito bem o que aconteceu no país recentemente e possuem uma correlação entre si. Pelo raciocínio da sabedoria popular, o estarrecedor desvelo de uma corrupção sem precedentes faz brotar o sentimento de indignação e a necessidade de mudança.
Agora, em 2019, os brasileiros apontaram a palavra “dificuldades” no plural. Para não passar despercebido! Há muito tempo que não há nada de singular no sofrimento do povo brasileiro. Os desafios sempre são árduos, por vezes gigantescos e se apresentam em muitas frentes. Quando as adversidades entram em pauta, com razão, o primeiro obstáculo que aparece está associado à crise econômica que tem como consequência mais grave o desemprego. O país vai fechar o ano com 12 milhões de pessoas fora do mercado de trabalho, sem contar os que estão na economia informal, os jovens que não conseguem o primeiro emprego ou idosos que ainda poderiam estar na ativa, mas não encontram oportunidades. O Brasil ainda tem um enorme contingente populacional abaixo da linha da pobreza. Para tristeza geral, bem na época das festas, o preço da carne disparou.
Embora a economia seja determinante em uma sociedade, muitos outros aspectos importantes precisam ser levados em conta na hora de denominar o ano que está terminando. O tempo passa e não há regressão da desigualdade econômica, pelo contrário, a diferença entre ricos e pobres só aumenta e ainda com um agravante. No cerne dessa injustiça social está embutida uma secular segregação racial que faz com que os pobres do país sejam uma população majoritariamente negra. Dessa distorção deriva um grave preconceito racial que produziu tantos episódios lamentáveis em 2019.
Temos ainda que conviver com índices precários de segurança, educação pública de baixa qualidade e um sistema de saúde que precisa de novos investimentos. À medida que o tempo passa fica mais evidente a precariedade da infraestrutura do país. Esses são os problemas palpáveis, mas ainda existem os conflitos acesos pelo rastilho da intolerância e do radicalismo. A própria pesquisa também revelou outra perspectiva que faz parte do momento atual e acompanha o perfil dos brasileiros. Em segundo e em terceiro lugar na pesquisa apareceram as palavras esperança e renovação que podem dar um novo ânimo para vencer a lista das dificuldades que serão enfrentadas em 2020.