
Dilma sem o dom de Jó
Há um mar de incertezas sobre os rumos da política nacional desde que o povo saiu às ruas para reivindicar seus direitos. Entretanto, a tormenta que assombra Dilma Rousseff começou bem antes. A partir do momento em que foi ungida por Lula para disputar e assumir a presidência da República. Dilma passou a viver sob o espectro do fantasma de Lula. Por sua vez, o ex-presidente adotou a política do zigue-zague, ora intervindo violentamente nos assuntos do governo, ora colocando a mão pesada nos rumos do PT, momento que teve seu ápice quando bancou unilateralmente a candidatura de Fernando Haddad à Prefeitura de São Paulo.
Envolta numa montanha de problemas, a presidente se dividia entre imprimir uma marca própria a seu governo, afastando aos poucos a sombra do criador, sem que suas atitudes significassem a rebeldia do discípulo ingrato. Uma obra de engenharia política complicada demais para um país minado de demandas, andando em círculos sob os olhares atentos de uma imprensa sempre ávida por divulgar eventuais desencontros entre o guia e a aprendiz ou colocar algumas lentes de aumento numa reles fofoca. Lula e Dilma são profetas com larga quilometragem política, sabedores que a dobradinha os tornaria poderosos no cenário nacional. Como diziam Leandro e Leonardo, e assim foram vivendo esse amor doentio, entre tapas e beijos. Nos jograis criados pelo marqueteiro João Santana para a propaganda eleitoral gratuita, ainda no começo deste ano, a dupla se mostrava bastante afinada.
Para suportar a pressão, a presidente precisaria ter a paciência do Papa Francisco, tal qual aquele personagem do Velho Testamento, vítima de uma aposta entre Deus e o Diabo. Com resignação e tolerância extrema, Jó aguentou firme a todas as provações. Ao final, foi recompensado por Deus que lhe devolveu tudo o que tinha perdido. Depois de ver brotar nas ruas o movimento intitulado “Volta Lula”, Dilma perdeu os fiapos da sua paciência de Jó na entrevista publicada na Folha de São Paulo, do domingo 28 de julho. Com febre e faringite, tomando antibiótico, corticóide e remédio para a febre, a presidente foi fustigada no âmago pela jornalista Mônica Bérgamo durante quase três horas. Sobre a possível volta do ex-presidente Lula, o fantasma que assombra e enfraquece o seu governo, Dilma respondeu em tom irônico e irado: “querida, Lula não vai voltar, porque ele não foi”. A resposta virou manchete de capa da Folha e recolocou a sucessão presidencial na ordem do dia, enquanto arrefeciam os efeitos da calorosa visita do Papa Francisco.
Num momento em que a economia apresenta sinais de fraqueza, o mercado e as forças políticas lançam os olhares à sucessão cada vez mais próxima. Há alguns meses, Dilma voava em céu de brigadeiro com robustos índices de popularidade que foram derrubados pelas manifestações de rua. Hoje, os mais afoitos vaticinam que a eleição está perdida. Daí o clamor pela volta de Lula. Nem tanto ao céu e nem tanto ao inferno. O país vive um momento de purificação em que a queda de um governante necessariamente não significa a ascensão do opositor. Além da verdasca pergunta feita por Mônica Bérgamo, há outra bem mais inquiridora ainda sem resposta. Na próxima eleição presidencial, como se comportarão as gigantescas multidões que tingiram as ruas do país com as cores do descontentamento? O voto será uma arma para descarregar revolta contra a péssima qualidade dos serviços públicos? A nova forma de fazer política abalará as velhas estruturas partidárias e eleitoreiras que levaram o país a mergulhar no vazio da representação democrática? Até outubro de 2014 é preciso encontrar uma fórmula para derrubar esse velho testamento, enquanto os novos mandamentos vão sendo escritos nas tábuas da mudança.