
A distorção do real
A capa da Revide desta semana aborda a disseminação de notícias e de conteúdos falsos, via internet, na sociedade contemporânea com ênfase para o papel do jornalismo. O espaço que essa pauta ganhou em diversas mídias demonstra a importância do tema. No Brasil, as fake news estão entre os assuntos mais comentados ao lado da corrupção e da crise política. Embora as mentiras e as falácias sejam tão antigas quanto à própria história da humanidade, especialistas apontam que as fake news ameaçam a estabilidade das relações humanas, baseadas até aqui em pressupostos de ética, integridade, autenticidade, sinceridade, transparência e verdade. A convivência depende da credibilidade, do juízo sensitivo e da crença que toma como verdadeiros determinados fatos e declarações. Sem isso, haveria uma neurose de dúvidas, incertezas, desconfianças e muita confusão.
Salvo juízo em contrário, a boa fé deve prevalecer. Aproveitando-se dessa disposição, os ideólogos das falsidades descobriram que basta misturar no caldo informações próximas da verdade para que as pessoas sejam induzidas ao erro. O truque engana até mesmo quem possui um pouco de conhecimento sobre o assunto. Em pouco tempo, essas distorções, que necessariamente não são grotescas, já interferiram em decisões importantes. As duas mais conhecidas são o resultado da última eleição americana e a saída da Inglaterra da União Europeia. Por aqui, há um temor procedente sobre os estragos que as famigeradas fake news podem produzir nas próximas eleições presidenciais. O artifício inescrupuloso poderá destruir as parcas candidaturas legítimas que ainda restam no espectro eleitoral brasileiro.
Quando se imaginava que as notícias falsas já tinham um alto grau de profundidade, descobriu-se que, além das informações, não se pode mais acreditar naquilo que os humanos veem nas telas dos computadores, celulares e tablets. Sofisticados programas e recursos tecnológicos já são capazes de maquiar a realidade, montando vídeos perfeitos com adulterações imperceptíveis aos olhos humanos. Para não pagar mico, pense bem antes de compartilhar aquele vídeo com declarações absurdas de uma celebridade ou político. O mundo que se apresentava maravilhoso com tecnologias gratuitas que eliminam distâncias e facilitam a execução de tarefas, agora mostra o lado perverso. Sem alarmismo, mas o ambiente virtual já pode ser considerado tóxico e em pouco tempo a navegação pode se tornar algo muito desagradável. Pessoas mais críticas e exigentes, que perderam a paciência, estão cancelando as contas nas mídias sociais.
A desinformação caminha para ser o mal deste século. Desvirtuada, a inteligência artificial pode falsificar a realidade, potencializando um antigo pensamento filosófico de que a vida não passa de uma ilusão dos sentidos. Óculos virtuais serão necessários para enxergar a realidade. Parece coisa de filme futurista ou previsão do escritor George Orwell. As máquinas ameaçam controlar o mundo. Quando essas novidades apareceram, os internautas pensavam justamente o contrário. Diante da tela se imaginaram detentores de um poder ilimitado e ingenuamente entregaram todos os seus dados e preferências pessoais em troca de uma suposta “gratuidade”. Está aí o escândalo do Facebook, questionado pelos governos dos Estados Unidos e dos países da Europa sobre a gigantesca venda de informações “sigilosas”.
Não se pode parar a tecnologia, tampouco retornar à idade da pedra. Sociedades do mundo inteiro se mobilizam para regulamentar o mundo virtual, criando leis específicas que, entre outros aspectos, definam punições para quem falsifica e compartilha. O jornalismo terá um papel preponderante, funcionando como uma espécie de caçador de anomalias na galáxia da internet. A ferramenta “Comprova” do portal Revide verifica a veracidade das notícias. A criptografia e outros recursos modernos também serão usados nesta guerra contra a falsidade e a distorção do real. Hoje, quem retira a carteira digital do Detran de São Paulo precisa responder várias vezes que não é um robô. Na outra ponta, não se pode subestimar o papel dos humanos em contraposição ao poder das máquinas. Há necessidade de que os usuários desenvolvam uma navegação mais responsável, preocupada com as consequências e as implicações de cada ato. Não é politicamente correto parar na vaga do deficiente e nem se pode alegar ingenuidade na hora de compartilhar informações.