Dunga e os rituais da Antropologia

Dunga e os rituais da Antropologia

Um dos pilares da antropologia é a observação dos rituais, o conjunto de gestos, palavras e formalidades que possuem um alto valor simbólico. Usualmente, os ritos reiteram as condutas, muitas vezes chanceladas pela religião, e reforçam costumes e tradições, dando um sentido palpável à vida social.

Vejam a passagem, fora de rota, da Seleção Brasileira por Brasília. Esta semana, os comandados de Dunga saíram de Curitiba e foram à capital federal para a bênção do presidente, antes de embarcar para a África do Sul. Um antropológico passe telegrafado para a torcida brasileira. Simbolicamente, como se fosse um organismo do governo federal, a Seleção subiu a rampa do Planalto na celebração do batismo verde e amarelo e foi ungida como filha dileta do poder instituído.

Quem duvida de que a primeira paixão nacional tem estreita ligação com o poder deve olhar a história recente do país. Em 1969, o general Médici quis escalar a Seleção, situação que o insubmisso João Saldanha não aceitou e que o benevolente Zagalo engoliu de bom grado. Em 1994, a Seleção Brasileira voltou cheia de muamba dos Estados Unidos. Na alfândega, tomados pela típica empáfia da elite que se coloca acima da lei, os canarinhos piaram alto com os fiscais: campeões do mundo não precisam pagar impostos e podem contrabandear à vontade.

O ritual tem ainda o poder de sacramentar a passagem de situações sociais. Pelo bárbaro frenesi que a população brasileira será tomada daqui para frente, Dunga assumirá, simbolicamente, a presidência do Brasil. Nos próximos 40 dias de sua interinidade, as decisões do técnico da Seleção terão mais peso, mais espaço na mídia e mais interesse do que as deliberações do presidente sobre a economia ou a política. Saber quem jogará na lateral esquerda será mais importante do que a variação da Selic ou a cotação do dólar.

Na medida em que ganham espaços exagerados na mídia, os eventos e as situações ritualizadas produzem distorções e estereótipos. Os rituais e seus personagens materializam as ideologias. Se tivesse nascido no século XIX, Dunga seria um positivista que encheria de orgulho Augusto Comte. Como nasceu na segunda metade do século XX, seguiu intuitivamente os passos dos líderes positivistas gaúchos Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros. Se pudesse escolher um dos sete anões para personificar, Dunga seria o Zangado, mas o cidadão Carlos Bledorn Verri é um positivista refinado internacionalmente, ligado ao campo técnico, prático, aplicado e disciplinado. Conservador e turrão, enquanto esteve em campo foi adepto do jogo duro por resultados, filosofia que trouxe para sua experiência de treinador.

No manual do positivismo gaúcho que Dunga conheceu por osmose está escrito que a única fonte de conhecimento é a experiência comprovada dos fatos. Por isso, só chamou jogadores testados e aprovados. Nesse campo em que o empirismo se assemelha ao positivismo, a metafísica não tem vez com Dunga, muito menos a quimera do futebol arte. A filosofia do treinador está reduzida à metodologia e à comprovação sistemática dos treinamentos e dos resultados. Não há tempo e nem espaço para dar uma chance ao improviso das apostas de Ganso e de Neymar. Contudo, o positivismo do técnico só pode ser criticado pelo viés ideológico. Dentro das quatro linhas, não há nada que impeça a filosofia dos resultados de conquistar a tão sonhada Copa do Mundo. “Positivistamente”, a história já comprovou que Dunga pode ser um vencedor.

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