
Educação política
A efervescência atual mostra que o país ainda precisa passar por um processo de educação política, algo que não se aprende nas escolas e nas universidades brasileiras, voltadas, na sua grande maioria, para a formação técnica especializada. A tolerância política também não se exercita nos círculos restritos formados por amigos e familiares. Para fugir da seara de relações conflituosas, muitas pessoas optam pelas famosas bolhas onde convivem e discutem somente com quem pensa mais ou menos igual. Em eleições passadas, sem os canais diretos das redes sociais, as manifestações não eram tão explícitas e públicas. Por isso, a última disputa eleitoral foi tão elucidativa para demonstrar o nível da discussão política nacional, que evidentemente está bem longe de ser um processo civilizado. Imperou o sectarismo político, sinônimo de visão estreita, espírito limitado, comportamento intransigente e atitudes intolerantes. O resultado das discussões foi traumático, com uma ruptura política e social e a consequente exclusão de vários membros da convivência familiar e da lista de amizades. Os conflitos entre a “sobrinha petista” e o “tio bolsonarista” não terminaram bem e provocaram consequências indeléveis.
Embora o momento atual do mundo esteja marcado por grandes mudanças, por mais dúvidas do que certezas e o surgimento de novas tendências com resultados ainda imprevisíveis, a minoria está disposta a ouvir. A voz corrente nas discussões políticas se apresenta através do discurso empoderado, ou seja, cheio de razão. O interlocutor, armado com argumentos que considera verdadeiros, sólidos e fundamentados, parte para o convencimento dos “alienados”, dos “equivocados” e dos neófitos na política. É como se alguém, nesse complicado momento atual, pudesse ser dono absoluto da verdade, tivesse a solução para a crise política e econômica a ponto de poder indicar caminhos e dizer o que é melhor e pior. Na maioria desses monólogos em que não há disposição para escutar, a arrogância e o desprezo se misturam num diálogo improdutivo que não produz conhecimento político, nem o entendimento de posições divergentes. Pelo contrário, os pensamentos fechados caminham para a radicalização política que resulta até em ojeriza física. Na última eleição, pessoas com nível superior diziam e repassavam barbaridades. Afirmavam, por exemplo, que a Justiça Eleitoral manipulava as inserções de candidatos na propaganda dos estados ou juravam serem verdadeiras as teorias conspiratórias que nunca se comprovaram.
Esse comportamento mais agressivo tem alguns sintomas manifestados através do menosprezo, do deboche, da rotulação, das classificações pejorativas, do xingamento com palavrões, da adjetivação ofensiva e da desqualificação de quem pensa diferente. Esse discurso raivoso geralmente vem acompanhado de expressões como o “imbecil do fulano”, “só fala besteira” e dos palavrões, próprios de quem quer ganhar a discussão na base do grito. Os comentários nas redes sociais deixam evidente que o nível de educação política não tem nada a ver com o nível social ou a com a escolaridade. Há no país um déficit na formação política que alimenta os discursos odiosos e discriminatórios. A sociedade brasileira, até o final das décadas de 80 e 90, tinha um perfil mais homogêneo. Hoje se encontra mais estratificada com inúmeros grupos que adotam e seguem valores próprios, sem se importar com as opiniões alheias. Essa diversificação acentuada ainda não encontrou uma sociedade preparada para lidar com a diversidade do mundo atual. Essa maturidade social e política precisa ser alcançada para garantir uma convivência saudável e democrática.
O país tem problemas mais urgentes para resolver, mas talvez o desenvolvimento da tolerância política, estimulada pelo discernimento e o acesso a informações qualificadas, possa elevar o nível da discussão, superando a fase dos xingamentos e da troca de ofensas. Não se pode julgar um governo pelos primeiros 30 dias e também não dá para aceitar que questões superadas voltem à tona por conta de manifestações preconceituosas. Deve-se desconfiar sempre do discurso agressivo que procura bodes expiatórios para explicar situações adversas. As posições políticas e as decisões de um governo são alternadas por erros e acertos. Os discursos inflamados que criam falsas polarizações no fundo querem esconder a realidade. Num momento em que se ouvem sons de todas as partes, não se trata de impor um silêncio obsequioso como aquele estabelecido pela Igreja Católica ao teólogo Leonardo Boff, por conta das suas ideias libertárias. Vale, no entanto, recorrer à sabedoria dos nossos ancestrais romanos, que construíram a base do conhecimento da civilização atual apenas com a histórica paciência, que permitia aos discípulos absorver a imensa sabedoria dos mestres em longas e fecundas conversas.