Entre o luto e a indiferença

Entre o luto e a indiferença

Na madrugada do dia 28 de janeiro de 2013, o Brasil acordou de luto pela morte de 242 estudantes na Boate Kiss em Santa Maria. Até hoje fica difícil aceitar que tanta gente jovem e cheia de sonhos perdeu a vida, de repente, num incêndio. No final de novembro de 2016, a queda do avião da Chapecoense chocou o país. Dias depois, com transmissão ao vivo pela TV, o Brasil e o mundo se comoveram com a imagem dos caixões de jogadores, dirigentes e jornalistas perfilados no estádio. Foram 71 mortos. Dois anos depois, outra catástrofe de enormes proporções deixou os brasileiros estarrecidos. Não dá para imaginar o que ocorreu com os 270 mortos e desaparecidos soterrados por um mar lama na barragem de Brumadinho.

Essas tragédias todas provocaram muita comoção, solidariedade e até sentimentos de revolta. Estranhamente, em uma parte da população, a mortandade provocada pela pandemia não provoca tanta indignação, embora o número de vítimas da Covid 19 seja assustador. Em um único dia, o coronavírus causa mais mortes que a soma de todas essas tragédias. No cotidiano dessa estatística macabra, a morte de uma pessoa, de centenas e de milhares passa a fazer parte de um frio universo matemático com o qual a opinião pública vai se acostumando. Quando o baque se dilui no dia a dia, as pessoas perdem a noção da dimensão da tragédia. No meio dos discursos das autoridades que subestimam a gravidade da situação atual e dos argumentos de pessoas “esclarecidas”, que fazem comparações com outras estatísticas de crimes ou de acidentes de trânsito, brota uma espécie de indiferença social institucionalizada que se conforma com a frieza dos números, mesmo que eles apresentem uma avassaladora escalada diária.

A reflexão sobre as razões desta inexplicável apatia conduz a uma conclusão ainda mais perturbadora. A indiferença, exteriorizada no “todos nós morreremos um dia,” se associa ao individualismo e se afasta do mais elementar princípio de solidariedade. Talvez esteja aí a razão mais profunda para o comportamento irresponsável consigo mesmo e com quem está no entorno. Enquanto a morte estiver levando pessoas que são estranhas ao meu universo, posso fazer de conta que esse não é um problema meu.  

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