
Entre o poço e o buraco
Os Jogos Olímpicos possuem simbolismo maior que a disputa da competição em si. Por extensão, a própria Olímpiada estaria em crise, uma vez que a solidariedade e a confraternização mundial dos povos estão cada vez mais distantes. Na Europa, por razões de segurança, a França organiza uma Eurocopa como quem se prepara para uma guerra. No Brasil, só Deus sabe o que poderá acontecer se alguém passar mal e precisar ser atendido em um hospital do Rio de Janeiro ou se à noite resolver dar uma volta na praia.
Nessa carona da simbologia olímpica, duas metáforas sintetizam o atual momento brasileiro que guardam semelhanças proporcionais ao que ocorre em Ribeirão Preto. A grande discussão nacional tenta descobrir se o país chegou ao fundo do poço ou se o buraco é mais embaixo. A outra analogia procura encontrar a luz no fim do túnel. Por aqui, a população assiste a uma interminável sucessão de fatos que mostram a degradação do serviço público. Agoniado, o ribeirãopretano também vive o dilema do poço e do buraco.
Uma chuva de más notícias. Se não bastasse a confusão nacional, quem olha para o noticiário local vê uma sucessão de desacertos, falta de planejamento e de gestão pública. A última crise da Prefeitura de Ribeirão Preto eclodiu por causa de um roubo de arma no Museu do Café, que fica no Campus da USP. Na sua essência, o Museu é um arquivo da história, mas a sua própria trajetória configura um retrato do abandono e do descaso. O teto do Museu Histórico ameaça cair e o Museu do Café virou alvo de ladrões que levaram armas antigas que não servem para dar tiros, mas que possuem valor histórico. O furto das armas, um tiro na gestão pública, culminou com um conflito entre os integrantes da administração municipal.
Não se pode generalizar essa percepção a todas as áreas, mas transparece a sensação de que o Estado, nas suas três esferas de poder, apresenta-se como um ente incapaz de cuidar de si mesmo. A Saúde no país e na cidade enfrenta notórios problemas, como a demora no atendimento e a falta de leitos. Além de lidar com a falta de estrutura para atendimento, servidores da saúde ainda são obrigados a conviver com a falta de segurança, uma questão que envolve o município e o governo estadual. Em plena luz do dia, duas horas da tarde, funcionários da Unidade de Saúde da Família, no bairro Geraldo Correia de Carvalho, na zona norte, foram assaltados. Nada mais desagradável do que perder a carteira, o celular e os objetos pessoais quando se está trabalhando.
O inverno está chegando e com ele o tormento do período de chuva. O que deveria ser algo absolutamente normal, como a sazonalidade da natureza, torna-se um pesadelo. A chuva e o frio não simbolizam só a nova estação do ano, mas a volta dos velhos e conhecidos buracos. Crateras se abrem pela cidade inteira, causando revolta, indignação e prejuízos financeiros. A lentidão da Justiça que o Estado oferece desencoraja os ribeirãopretanos a entrarem com ações para recuperarem o prejuízo patrimonial.
O cenário municipal, a cada dia, vai ficando mais confuso e sem boas perspectivas. As licitações municipais não andam, a crise econômica aumenta e o endividamento da Prefeitura se aprofunda. Questões simples como um reajuste da área azul vão parar na Justiça. A reforma do calçadão — quatro anos — pode durar o mesmo tempo da construção de um metrô em uma grande cidade. Alguém arrisca dizer por mais quanto tempo os moradores do Ribeirão Verde terão que esperar para verem concluída a duplicação da avenida Mugnato Marincek?
À medida que a eleição se aproxima, a permanência no poder vira o grande foco da política. Nesse cenário desalentador, uma notícia positiva como a instalação da região metropolitana torna-se um evento superdimensionado e alvo de disputa pela paternidade do feito. A foto da assinatura da lei que cria a Região Metropolitana de Ribeirão Preto, assinada no Palácio dos Bandeirantes, revela essa ânsia. O mais comedido dos presentes era justamente o governador Geraldo Alckmin, que nas entrevistas que concede alerta para o fato de que a região metropolitana nem de longe representa um bálsamo para todos os males. Que o digam as regiões de Campinas e Santos onde esse projeto foi implantado há mais tempo. A região metropolitana pode trazer avanços, mas não existem milagres na administração pública. Nossos dirigentes precisam de uma revisão de conceitos e de posturas para que a vida do cidadão comum seja menos precária e tortuosa.