Entre a urgência e a paciência

Entre a urgência e a paciência

O filósofo René Descartes era um homem inquieto, atormentado pelas perguntas que não conseguia responder. Possuía um espírito inconformado e não gostava de meias verdades, deixar as tarefas para depois. O texto abaixo, que circula anonimamente pela internet, coaduna-se um pouco com a filosofia do pensador que morreu há mais de 300 anos. “Depois? Depois o café esfria, depois a prioridade muda, depois o encanto se perde, depois o cedo fica tarde, depois a saudade passa... Depois tanta coisa muda... Não deixe nada para depois, porque na espera do depois, você pode perder os melhores momentos, as melhores experiências, e os melhores e mais sinceros sentimentos”.

Mas será mesmo que a urgência do agora deve suplantar a paciência do depois? O ser humano lida com a incerteza diariamente e está exposto a tecnologias que estão mudando padrões de comportamento. Sempre há uma nova mensagem para responder imediatamente, algo imperativo que não pode esperar. As pessoas estão ficando vidradas nos aparelhos, com olhares fixos, voltadas para baixo. Os momentos desconectados são cada vez mais raros, há uma correria insana para manter-se atualizado, embora ninguém saiba o que isso significa. A tranquilidade está sendo atropelada. À frente, está surgindo um abismo colossal que separa a vida de agora daquela que ainda está porvir. Se ainda estivesse vivo com o seu cartesiano pensar, provavelmente, Descartes pediria “um tempo” para examinar “agora” essa impaciente contradição que se instaurou entre a urgência e a paciência.

A propósito dessa atual controvérsia, a história registra várias experiências de povos antigos em que a paciência prevaleceu, ao contrário do que recomenda o texto do primeiro parágrafo. Isso não quer dizer que essa filosofia mais perseverante vá predominar em um mundo cada vez mais podado pela pressa. Uma dessas experiências, que hoje seria rotulada de prosaica, está guardada no interior do México, no sítio arqueológico Maia, uma das sete maravilhas do mundo moderno e patrimônio da humanidade. Ali repousam os consistentes ensinamentos da cultura Maia, um povo capaz de reflexões profundas, séculos antes do nascimento de filósofos como Descartes, que se preocuparam em deixar para a humanidade um método de pensar. Sozinhos, os Maias chegaram a brilhantes conclusões, tendo a paciência como principal ingrediente da sabedoria. Dia após dia, um mês depois do outro, por anos a fio, fizeram descobertas essenciais à sobrevivência, só observando os movimentos do Sol, da Lua, dos planetas e das estrelas. Concluíram, por exemplo, que o ano tem precisos 365 dias e seis horas. Dividiram as estações do ano em uma pirâmide e fizeram com que a sombra projetada funcionasse como os ponteiros de um relógio para indicar os dias ideais para plantar e para colher.

Assim como o sábio povo maia, quando parou para pensar, o filosofo René Descartes logo percebeu que a existência era curta demais para responder a todas as dúvidas, a todos os anseios. Decidiu compartilhar essa “descoberta” para controlar a própria ansiedade. Ao ser informado de que Galileu Galilei havia sido condenado à morte pela inquisição, o temeroso Descartes adotou um viés religioso para explicar as descobertas, tornou-se um agnóstico que convenientemente misturava a fé em Deus com a comprovação científica.

No epílogo do pensamento do filósofo francês, há uma espécie de ode ao conhecimento, uma profissão de fé na busca da verdade, a recomendação de que a evolução só será plena com as descobertas das causas primeiras. A leitura da obra do pensador contém um recado muito apropriado para a interpretação dos confusos dias atuais. Quando se sentiu acuado pelas guerras e pela possibilidade de ser perseguido por suas ideias, Descartes priorizou a paz de espírito para pensar e resolver questões cruciais. Desconfiou dos próprios sentidos que podem levar a falsas conclusões. O pensador apostou no intelecto e na coerência de princípios para superar dificuldades. Manteve-se distante do excesso para priorizar a sensatez na convivência. A filosofia de Descartes afirma que o destino não tem nada de imperioso, mas que para progredir com essência o ser humano precisa cultivar a razão, e arrematou o pensamento com um princípio ético: quem faz alguma descoberta tem o dever moral de compartilhar com quem está próximo.

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