
Equilíbrio radical
O país recomeça o ano cheio de expectativas com relação ao novo governo e mais ou menos como terminou 2018. Dividido pelas opiniões contrárias acerca do que já está acontecendo e do que ainda está porvir. Enquanto alguns carregam nas críticas desde os primeiros dias, para outros, as primeiras medidas demonstram que o país já está no rumo certo, bem melhor do que antes. Os discursos inflamados continuam de parte a parte com incitações recíprocas de confronto e de disposição explícita para o conflito. As demonizações dos adversários não ajudam na construção de um entendimento político razoável ou de um improvável “pacto político”, como o proposto pelo ministro da Casa Civil do governo Jair Bolsonaro, Onyx Lorenzoni. A guerra das falsas narrativas inviabiliza a coexistência entre o governo e a oposição, condição fundamental para o vigor da democracia.
Apesar das desconfianças na pré-campanha, o resultado da eleição apresentado pelas urnas eletrônicas foi legítimo, o que confere aos eleitos um prazo mínimo de 100 dias para demonstrarem suas aptidões, de acordo com uma regra internacional da etiqueta política. Até lá, tanto quem votou a favor como quem votou contra ou se absteve tem o dever cívico de observar com a atenção se há sinais concretos de que o prometido será, de fato, entregue. Em linhas gerais, com o sistema atual, as eleições para os cargos públicos não apuram quem são os melhores, mas aqueles que estão mais conectados com as aspirações populares, que interpretam corretamente esse sentimento e que apresentam um discurso convincente nesta direção. O importante é saber conviver, pois a democracia depende da mudança.
O Brasil do Século XX é bem diferente do país que procura retomar seu caminho de desenvolvimento neste começo do Século XXI. Na velha política, os partidos, os sindicatos, a Igreja e a elite empresarial exerciam uma influência preponderante. Na última eleição, caciques tradicionais perderam o mandato da representação cativa. Na nova política, grupos autônomos elegem representantes e até os deputados e senadores mais votados. Candidatos com posições extremas, vinculados a temas emergentes, segurança, principalmente, receberam uma avalanche de votos. A ideologia se esfarelou para se reagrupar novamente num movimento que realça os novos fluxos do dinheiro, da substituição dos valores e da comunicação horizontal. Os representantes que emergem desse movimento não precisam mais da intermediação da mídia, falam direta e abertamente a quem quiser ouvir. Quanto mais radical for o discurso, maiores são as chances de granjear adeptos. Novos comportamentos e tendências se consolidam se sobrepondo às velhas estruturas institucionais.
Apesar da complexidade inerente à politica, nunca foi tão fácil entender o resultado das urnas. É como se o eleitor tivesse explodido de raiva e de ódio contra o sistema em vigor. Numa repulsa uníssona e silenciosa, deu um sonoro basta aos políticos tradicionais e à bagunça institucionalizada que se instalou no país cujo exemplo mais cristalino vem do belo Estado do Rio de Janeiro onde nada menos do que os quatro últimos ex-governadores foram ou estão presos. O massacrado cidadão comum se rebelou contra a corrupção, o crescimento exponencial da violência, a carga tributária elevadíssima e a precariedade dos serviços públicos. De norte a sul, escolheu os candidatos que mais se conectaram a esses temas.
Essa mudança não significa que governo, oposição e a população brasileira terão vida fácil daqui para frente. Por decreto, ninguém conseguirá reenquadrar as cores ou reeditar a cartilha do certo ou do errado numa obediência cega às ordens que emanam das hierarquias mais altas. Definitivamente, a antiga ordem vigente já foi subvertida pela revolução do comportamento e a diversidade passou a fazer parte da vida, alterando, radicalmente, hábitos e costumes. Basta, por exemplo, observar as diferenças de um público que passa por um shopping. Há uma infinidade de estilos. Terá muitos conflitos pela frente quem não entender essa nova realidade que brotou à revelia das forças políticas e econômicas de outrora.
Majoritariamente, o brasileiro não está preocupado com o debate ideológico, com as posições de direita e esquerda ou se os novos dirigentes se formaram na Universidade de Chicago. O cidadão quer emprego para trabalhar, proteção contra a violência, posto de saúde e escolas que funcionem e estradas sem buraco. Se possível, ter tudo isso pagando menos imposto e sem ser roubado nas licitações das obras públicas. Nas últimas quatro eleições, votou majoritariamente em políticos identificados com o “discurso de esquerda”. Agora, deu uma guinada brusca, virou à direita, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, na Turquia e em vários países da Europa. Agora, é esperar para ver o que acontece nos próximos 100 dias.