
Esperança cautelosa
Anova realidade do Brasil e do mundo demanda um olhar mais atento em busca do melhor entendimento sobre a situação atual. Aquele padrão de vida que estávamos acostumados mudou bastante. No começo de 2020, o medo e a perplexidade prevaleceram diante do vírus desconhecido que demonstrou uma velocidade e uma capacidade de contaminação sem equivalentes na história. A partir de dezembro, do final do ano para cá, uma nova perspectiva se abriu com a chegada das vacinas. Novas polêmicas apareceram em torno da eficácia, da procedência e do potencial de imunização das diferentes vacinas que sugiram no mundo.
O Iluminismo, o movimento intelectual surgido no Século XVIII, ensina que aos poucos o conhecimento vai suplantando as crendices sem fundamento. No começo, os espalhadores de fake news diziam que a mídia exagerava na gravidade da nova doença. Logo, os números crescentes de mortes e de contaminações mostravam que a ameaça era séria e real. Em seguida, vieram as apostas em remédios miraculosos sem comprovação científica, o que também já foi desmistificado em parte, embora ainda existam bolsões de crentes em medicações que não possuem aval da comunidade científica. Menos de um ano depois do primeiro caso registrado no Brasil, o país conseguiu vacinar os profissionais da saúde que até aqui realizaram um trabalho heroico. Existem alguns privilégios que são plenamente justificados.
Chegamos à terceira fase, a da vacinação, e aos poucos começamos a vencer mais uma onda de desinformação preconceituosa contra os imunizantes, principalmente em relação à vacina chinesa, estigmatizada e ridicularizada nas redes sociais por grupos especializados em espalhar notícias sem fundamento para confundir a opinião pública. Por incrível que pareça tem gente graduada que faz isso. O presidente Jair Bolsonaro chegou a dizer que não se responsabiliza caso alguém tome a vacina e vire um jacaré. Esta etapa de desconfiança começou a ser superada na histórica data de 17 de janeiro, dia em que a enfermeira Mônica Calazans, tornou-se a primeira brasileira a ser vacinada com a Coronavac.
À revelia das piadas preconceituosas, a vacina de procedência chinesa é a primeira que o país dispõe em maior quantidade para começar o longo processo de vacinação. Nunca os brasileiros ouviram falar tanto na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), um órgão regulador, sob a forma de autarquia em regime especial, vinculado ao Ministério da Saúde. Apesar de uma enorme pressão política, os técnicos da agência foram extremamente profissionais e liberaram a Coronavac e a vacina da AstraZeneca para uso em regime de urgência. A direção da agência deu um recado direto aos brasileiros. “Vacinem- -se assim que for possível”.
Assim, o debate nacional tomou um rumo mais coerente. O país hoje a discute a quantidade de vacinas disponíveis, a possibilidade de adquirir mais doses, a logística da distribuição e as prioridades estabelecidas. Individualmente, levando em conta a faixa etária e a condição de saúde, os brasileiros mais sensatos consultam o calendário para saber quando poderão se vacinar, deixando de lado a insensatez e os maus exemplos dos governantes. Como há uma demanda global pelas vacinas e pelos insumos usados na fabricação, ainda há um longo caminho pela frente. As projeções indicam que só a vacinação dos profissionais da saúde, das pessoas que fazem parte dos grupos de risco e dos idosos se estenda por todo o primeiro semestre.
O momento de euforia contrasta com os novos alertas dos especialistas que avisaram sobre o risco das comemorações de fim de ano. Como as advertências foram ignoradas por grande parte da população, a segunda onda veio pesada, escancarando a situação dramática do Amazonas. O mesmo pode ocorrer em outros estados. Ao contrário do que alguns querem fazer crer, a vacinação que está iniciando não será um salvo-conduto para a normalidade do período pré-pandemia, mas o começo de uma transição segura em direção a uma nova fase de vida aonde os cuidados com a saúde farão parte da rotina de todos nós.
Foto: Governo do Estado de São Paulo