Espírito destrutivo

Espírito destrutivo

Fala-se e escreve-se muito sobre o politicamente correto, sobre o crescimento da consciência cidadã, da necessidade de que haja respeito pelo espaço público e uma consideração solidária pelo outro. Isso evitaria que a convivência urbana se torne um inferno. Apesar desses valores serem, constantemente, divulgados pela mídia e o aparente clima de civilidade, o que se observa, diariamente, nas ruas das cidades brasileiras é um festival de atentados educativos que deixam perplexo o cidadão que tenta ser civilizado. Embora seja necessário o devido cuidado em qualquer tipo de generalização, numa primeira olhada, fica a sensação de que uma parcela expressiva e imensurável da população, por razões desconhecidas, está fortemente imbuída de um espírito de destruição, sem propósito algum, sem se importar com causas e consequências.  É a destruição pela destruição e  a busca pelo sádico prazer que isso proporciona. Esta postura devastadora alcança segmentos da intelectualidade, passa pela juventude e chega à “elite” que frequenta as novas arenas de futebol.


A primeira constatação que arrepia o bom senso pode ser feita no tempo que sobrevive qualquer equipamento público que não estiver sob rigorosa fiscalização. Banheiros públicos, telas de proteção dos parques, aparelhos das academias ao ar livre são destruídos impiedosamente em pouco tempo. Num passado recente, os orelhões eram os maiores alvos do vandalismo. Agora, a ira da legião de destruidores volta-se para os pontos de ônibus, para as placas de sinalização, lâmpadas e as praças públicas. Depois de um longo tempo de restauração, o Teatro de Arena, um espaço aberto foi duramente depredado já na inauguração. Algumas pessoas que não merecem a denominação de cidadãs, colocaram uma quantidade enorme de papel higiênico dentro dos vasos sanitários para provocar um entupimento generalizado e impedir o uso público. 

Esses ribeirão-pretanos de escassa civilidade nem eram integrantes das torcidas organizadas, acostumadas a cometer as maiores barbaridades. A última aconteceu no estádio do Corinthians no clássico contra o Palmeiras. Os torcedores visitantes cumpriram a profecia da quebra generalizada das cadeiras do novo estádio. O que chamou a atenção é o orgulho do feito. Sem medo de punição, ainda tiveram a empáfia de postar as fotos da quebradeira nas redes sociais. O exame das notícias diárias mostra que esse ostentado espírito destrutivo parece referenciar um novo padrão nefasto de comportamento que rende projeção e reconhecimento. Voltando de São Paulo para Ribeirão, também é possível encontrar a mesma faceta sombria do vandalismo desmedido. Por toda a cidade, casas e prédios públicos estão pichados com desenhos grotescos. Na época da Ditadura, havia a “justificativa” de que a pichação era uma forma de protesto contra a censura imposta pelo regime militar. Hoje, com a possiblidade de manifestação nas redes sociais e em outros espaços, qualquer tese ou bandeira pode ser defendida sem a necessidade de sujar. 

O vandalismo e a destruição não são mais manifestações isoladas, mas viraram princípios políticos de organizações demolidoras. Recentemente, a polícia desmascarou os grupos que transformam qualquer manifestação em uma praça de guerra com fabricação e uso de bombas, coquetéis molotov e artefatos que provocam destruição. Esse comportamento irracional está se espraiando e  contagia novas legiões de seguidores, principalmente entre a juventude. Parece que está na moda ser um destruidor voraz e sair por aí quebrando coisas.  Essa tendência nociva dá até certo status  entre os que cultuam a insanidade. Mesmo sem razão alguma, o grupo de jovens suja a praça.  Vândalos profissionais e organizados se infiltram nas manifestações populares para provocar dor, sofrimento e destruição. Quem põe fogo em terreno baldio, joga lixo na rua ou que não tem o menor zelo pelos espaços públicos e particulares da sua cidade, mesmo que em outra proporção, corrobora com essa postura antiética e irresponsável. Esses comportamentos inapropriados tornam a sociedade refém de problemas antigos que se arrastam por anos. Ribeirão Preto não consegue ter um reles banheiro público em condições de uso no centro. Além das dificuldades financeiras, os banheiros só podem funcionar se tiverem uma escolta armada por 24 horas. Outras cidades já conseguiram superar essas dificuldades, um sinal evidente de que a falta de educação não é um valor universal. A esperança recai sobre a escola e as novas gerações.  Talvez o ambiente escolar seja capaz de formar um novo cidadão mais educado, que saiba valorizar os espaços públicos. Caso contrário, em pouco tempo, estaremos todos contaminados e vivendo no reino onde impera o espírito destrutivo.

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