A ética da eleição

A ética da eleição

Na reta final da sucessão presidencial, a ética aparece em primeiro lugar e já foi eleita como o principal tema da campanha eleitoral, muito antes das urnas serem abertas e dos votos serem contados. Curiosamente, num país com tantos problemas graves, os temas que mais despertam o interesse do eleitor não são apenas as demandas com valor econômico, tais como o desemprego, o preço da passagem de ônibus ou a comida cara demais. A priori, a ética, esta palavrinha de cinco letras que coloca em ordem hierárquica os valores morais de um indivíduo ou de uma sociedade, em princípio, pode parecer até meio abstrata dentro do mercantilista contexto da política, mas, no fundo, a nova percepção do eleitor está correta, pois a moral que rege o ato político está intrinsicamente ligada à solução de todos os problemas. 

Com tantos escândalos de corrupção, em todos os níveis da administração pública, o eleitor percebeu que todos os discursos são palavras vazias, se a questão ética da política brasileira não for minimamente resolvida. Depois de seis eleições presidenciais, com algumas frustrações decorrentes do desempenho dos eleitos, os meios de comunicação e alguns candidatos captaram esse desconforto, essa contradição que contamina a política brasileira nesta fase da redemocratização. Não haverá mudança se a teoria e a prática não estiverem alinhadas. A contradição mais gritante está estampada no discurso da moralidade que aparece nas campanhas de todos os partidos, derrubado em seguida pelos escândalos denunciados todos os dias no noticiário. 

Assim, pela porta do inesperado, a ética virou o principal tema do debate e pode definir a eleição. Deixou de ser uma discussão abstrata, tangenciada por alguns candidatos na propaganda eleitoral, ganhou as ruas e passou a fazer parte das discussões informais entre cidadãos. Virou quesito relevante para definir quem é o melhor candidato (a). De forma simbólica, a base dessa discussão ética, componente novo da eleição deste ano, ganhou peso entre os temas que fazem parte de uma campanha, a partir da série de entrevistas realizadas pelo Jornal Nacional com os principais candidatos à presidência. Ao contrário do que normalmente acontecia nesse tipo de exposição, em 15 minutos de entrevista, os candidatos ficaram sem espaço para a tradicional retórica das boas intenções. À queima roupa, tiveram de explicar questões éticas da vida pessoal e pública, uma saia justa que surpreendeu os telespectadores do JN.

O falecido Eduardo Campos, por exemplo, teve que esclarecer porque fez campanha para que sua mãe, Ana Arraes, fosse indicada para o cargo de ministra vitalícia do Tribunal de Contas da União. Se tivesse sobrevivido ao acidente, agora, o antecessor de Marina Silva teria dificuldades para justificar a contratação do avião que usava para fazer a campanha. Matérias publicadas na imprensa colocam a ética do candidato sob suspeita ao revelar que empresas fantasmas pagavam o aluguel da caríssima aeronave. Além de uma boa quantidade de votos, a sucessora Marina Silva herdou esse problema ético para resolver, perrengue que até o final da campanha ainda lhe dará muita dor de cabeça. Independentemente de outros quesitos, o eleitor quer saber se o candidato adota na vida privada, a mesma ética que prega para administração pública. Em entrevistas e em debates, a candidata Dilma Rousseff é instada a se posicionar sobre os escândalos de corrupção ocorridos em seu governo, principalmente, a compra da refinaria de Pasadena nos Estados Unidos, na qual como integrante do Conselho da Petrobras avalizou a realização de um negócio que trouxe prejuízos aos cofres públicos. No currículo de Aécio Neves consta a construção de um aeroporto no interior de Minas Gerais que teria beneficiado membros da sua família.

Para Hegel, só o que está certo sobrevive
Para Hegel, só o que está certo sobrevive

Quando se analisa esse novo componente da eleição, vem à mente a filosofia hegeliana que descartava as verdades eternas e imutáveis. A razão do ser político é algo dinâmico que pode levar a novas conclusões. Corriqueiramente, ouve-se que a política, o eleitor e os candidatos não mudam, mas o filósofo alemão dizia justamente o contrário. Hegel acreditava que o espírito humano progredia em direção a um conhecimento maior de si mesmo e que, portanto, a esperança de mudar faz todo o sentido. Na contramão do pensamento hegeliano, tem gente defendendo no facebook uma proposta anarquista, votar em branco ou nulo para invalidar a eleição. A Constituição Brasileira explicita justamente o contrário, que apenas um voto válido pode definir a eleição a favor de um candidato. Por isso, vale retomar um velho conselho de Hegel: mergulhar fundo na história (do candidato) para descobrir algo novo capaz de mudar o curso da política. Pela dialética de Hegel, os comportamentos dos partidos e dos candidatos não seguem um cronograma pré-estabelecido. Só para incorporar o espírito da filosofia hegeliana, imaginemos, neste arremate, que a política se restrinja a um confronto entre os corruptos e os éticos. Quem venceria? Para Hegel, só o racional é viável e só o que está certo sobrevive. Pense nisso na hora de escolher os seus candidatos. Caso contrário, desperdiçando o voto, você pode atravancar o processo de evolução histórica.

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