
A ética da relevância
Não há como resistir à modernidade e à força da internet que acaba de produzir mais uma interferência importante nas relações sociais. As novas versões dos principais dicionários brasileiros reconhecem mais de três mil palavras que foram consagradas pelo uso popular. Já dá para conjugar sem medo o verbo tuitar, ir ao sex shop com a consciência tranquila de que não está cometendo nenhum pecado gramatical, aplicar um botox, chamar alguém fascinado pelo conhecimento de nerd e ficar chocado quando vê mais um caso de bullying na TV.
Enquanto os pais da matéria — os especialistas em educação— discutem se a insopitável onda de neologismos será benéfica ou maléfica para o “status quo”, outro debate ganha destaque diante da avalanche de informações, e-mails e mídias sociais que se avolumam na tela do computador: a relevância desses conteúdos.
Dia desses o renomado escritor João Ubaldo Ribeiro desabafou em uma entrevista à ISTO É. Reclamou que a Internet é a perdição do escritor e prometeu se desligar do mundo, principalmente para se ver livre da enxurrada de 320 spams que recebe por dia. Três romances do escritor desandaram por falta de concentração. Até o doutor João Ubaldo Ribeiro estava se afogando em um mar de futilidades.
Mas, mesmo no meio do lixo, sempre dá para encontrar raridades. João Ubaldo não deve ter visto um e-mail que chegou recentemente com uma elucidativa palestra de nove minutos do aclamado criador do Facebook, Mark Zuckerberg, o programador e empresário americano que se tornou um dos 60 homens mais ricos do mundo.
O vídeo de Zuckerberg discute a relevância na rede. “Um esquilo morrendo no seu jardim pode ser mais importante para você do que a inanição de milhares de africanos”, filosofou Zuckerberg. Para medir o que tem mais acesso, portanto mais interesse, os programadores introduziram nas redes sociais os algoritmos, uma sequência finita de instruções bem definidas e não ambíguas encarregada de distinguir preferências. Mas seria esse intrincado mecanismo matemático um sistema perfeito a ponto de assumir a função de curador do mundo? Duas pessoas que pesquisam na internet o mesmo assunto encontram respostas diferentes e até antagônicas. As TAGs ou as palavras-chaves hierarquizam a escala da relevância. Em uma citação digna de colocar na lápide da história, Zuckerberg afirma no vídeo que “a Internet nos mostra um mundo que ela pensa que queremos ver, mas não necessariamente o que precisamos ver”. O criador do Facebook ainda navega bem quando explicita que, com a personalização baseada na complexidade computacional dos algoritmos, a edição da Internet alimenta valores controversos: curiosidades picantes sobre a vida sexual da Sandy misturados com os reflexos mundiais da desvalorização do dólar. A conclusão do pai do Facebook sobre os filtros ou a inexistência deles na Internet é assaz interessante. Na sociedade do começo do século XX, esse papel foi desempenhado pelos jornais que, mesmo com questionáveis critérios éticos, davam início ao processo de formação do juízo de valor. Embora essa ética jornalista também seja um sistema imperfeito, foi o conteúdo reproduzido por essa mídia que conduziu a sociedade até o estágio atual. Sem levar a ética em conta nas suas referências, a Internet varreu os editores de conteúdo e abriu as portas de um mundo sem porteiros, sem ética e sem critérios de relevância.