A falência da segurança pública

A falência da segurança pública

As manifestações ostensivas e violentas dos “black blocs”, fato novo na conjuntura social brasileira, expuseram a gravidade da crise na segurança pública e colocaram a própria Polícia Militar na linha de tiro. Embora a Instituição tenha feito, nos últimos anos, um esforço para mudar a imagem frente à opinião pública, pesa sobre a PM o estigma da truculência e das ações fora da lei. Diante da histórica fragilidade da legislação processual brasileira, os abusos de autoridade se acentuaram na ditadura militar, época em que os órgãos de segurança faziam a Justiça com as próprias mãos. A ação mais visível desta tentativa de reconstrução da imagem aconteceu no Rio de Janeiro com a criação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) para tentar exterminar o domínio do tráfico nos morros cariocas. No Estado de São Paulo, o mesmo objetivo vem sendo perseguido, embora ainda seja flagrante a contradição entre o discurso das autoridades e a prática das ruas. Levando em conta os últimos cinco anos, a Polícia do Estado é acusada de matar mais que a polícia americana.

Dois episódios que mancharam a imagem da Instituição foram o massacre do Carandiru e o assassinato de Mário José Josino pelo policial “Rambo” na favela Naval de Diadema em 1997. O episódio da Favela Naval representa o típico caso de policiais que viram senhores da vida e da morte com ou sem o conhecimento dos superiores. Da mesma forma, é preciso reconhecer as milhares de ações da PM que salvaram vidas, tiraram de circulação criminosos perigosos, resgataram pessoas sequestradas e combateram o tráfico de drogas. Também não dá para esquecer das centenas de policiais civis e militares que morreram combatendo à organização criminosa que controla os presídios no Estado de São Paulo. Portanto, o ente nunca será somente uno, mas constituído pela contradição resultante do confronto diário entre o legal e o ilegal. A práxis ética e correta convive ao lado da patranhada. O embate em que se depara a Polícia Militar é o mesmo desafio que enfrentam os órgãos de segurança, o parlamento, o poder público ou a iniciativa privada. Os veios do descaminho estão no ISS da Prefeitura de São Paulo, nos altos salários do Congresso Nacional ou nas propinas pagas pelas empresas que prestaram serviço ao Metrô de São Paulo. Se não forem extirpadas logo, todas essas súcias vão corroer as instituições por dentro, solapando a estabilidade social.   

Dois episódios recentes ilustram bem essa dubiedade que hoje esgarça o tecido dos organismos sociais. No primeiro deles, um coronel da PM foi covardemente espancado por um grupo de black blocs durante uma manifestação em São Paulo. Mesmo ficando ferido com gravidade, nas entrevistas, o coronel Reynaldo Rossi desencorajou os subordinados a cometerem atos de vingança. “Precisamos discutir aspectos legais para envolver esse novo contexto que torne mais duras as punições a pessoas que se julgam no direito de invadir manifestações legítimas e produzir toda essa gama de destruição”, declarou o coronel, em lúcida entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo. Em outra ocorrência no Rio Janeiro, policiais militares agiram como se fossem os criminosos do morro que tanto combatem. Torturaram, mataram e sumiram com o corpo de um pedreiro. Do total de 25 policiais envolvidos, 13 foram presos e 12 respondem a processos em liberdade. Uma guarnição inteira envolvida no crime.

Essa falência da segurança pública está desarmando a atuação da polícia que ficou exposta tal qual o médico que trabalha no hospital sem recursos. A reconquista do respeito pela Instituição passa pela questão salarial aviltada pelos governantes. Se a sociedade não cobrar uma mudança política, a espiral da violência vai prosseguir com vítimas de ambos os lados. Faz-se necessário um diálogo construtivo para a retomada do princípio da autoridade. A escalada da violência está cobrando respostas que o modelo atual não pode mais oferecer. Levantamento recente mostra que cerca de 70% da população não confia no trabalho das diversas polícias do país. Cidadãos inseguros, criminosos que escapam pelas brechas da lei e a Polícia desacreditada. Eis o retrato da falência da segurança pública do país.

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