Falta de empatia

Falta de empatia

Entra semana e sai semana e o show de horrores continua no noticiário brasileiro. Indigenistas que protegem à Amazônia barbaramente assassinados, violência policial e as demonstrações explícitas de racismo e misoginia. A sequência de fatos demonstra que a questão feminina ainda tem muito que avançar no campo do direito e do respeito às garantias individuais. Os fatos vão se atropelando. Primeiro foi uma juíza de Santa Catarina que se recusou a autorizar que uma menina de 12 anos, vítima de estupro pelo tio, tivesse a assistência de um hospital para realizar um aborto. A legislação brasileira estabelece que as vítimas de estupro possuem direito ao aborto.

 

 
Logo em seguida, uma situação particular da atriz Klara Castanho foi tornada pública sem o mínimo de ética e de respeito à privacidade a que cada cidadão tem direito. A atriz de 21 anos, que também foi vítima de um estupro, decidiu encaminhar a criança para a adoção, observando os trâmites legais. Ela ainda nem havia se recuperado do parto e a sua história se tornou pública nas redes sociais. A principal suspeita de ter vazado a situação de Klara para a mídia é uma enfermeira que por dever de ofício tem o compromisso ético de manter sob sigilo as informações relacionadas à saúde dos pacientes. O Conselho Regional de Enfermagem (Coren-SP) e o hospital onde o parto foi realizado abriram sindicâncias para apurar responsabilidades, mas a exposição gratuita e irreparável da vida íntima da atriz está feita e não tem mais conserto. 

 


Os responsáveis por essa divulgação são dois blogueiros conhecidos que integram uma legião de pessoas dispostas a ficar famosas a qualquer preço. Para conquistar audiência e seguidores em massa se especializaram na indústria do caça-clique. Para obter engajamentos, likes, curtidas, visualizações e outros retornos extremamente duvidosos do mundo da internet protagonizam um vale-tudo virtual. Por essa ótica publicam de forma açodada e intempestiva tudo o que for apelativo, invasivo, chocante sem se preocupar com o contexto, com a veracidade e o respeito com a outra parte envolvida. O que vale é sair na frente, a qualquer preço, de forma antiética, mesmo que para isso seja preciso invadir a vida privada de terceiros. A exposição indevida da doação obrigou a atriz Klara Castanho a vir a público contar algo que não queria: que havia sido vítima de um estupro. De acordo com a legislação brasileira em vigor, ela teria direito ao aborto ou à doação da criança para adoção, opção legal que escolheu. 

 


Como acontece sempre nesses casos, na internet tem uma horda de plantão que sabe tudo, da política ao comportamento, disparando julgamentos e sentenças definitivas sobre tudo e todos. Atuando em manadas ou em milícias, quando entram em ação, essas hordas movidas pelo ódio e pela irracionalidade estão sempre prontas para fazer julgamentos sumários, destruir imagens e reputações em nome das opiniões, das crenças e das verdades absolutas das quais são portadores inabaláveis. Nesses casos, não há espaço para a dúvida, para o contraditório ou para a empatia com a outra parte. As sentenças postadas na rede são instantâneas, definitivas e destruidoras. Protagonistas da divulgação precipitada, o colunista Leo Dias se arrependeu e pediu desculpas. Já Antonia Fontenelle gravou um vídeo e nem se desculpou. Vida que segue. No próximo capítulo, veremos quem será a próxima vítima. 

 


 No atual momento brasileiro, a violação dos direitos se tornou algo corriqueiro, patrocinado por um amplo arco de algozes que abrange internautas sem escrúpulos, às próprias autoridades públicas e até mesmo o Estado brasileiro. Num capítulo mais recente, o presidente da Caixa Federal, Pedro Guimarães foi acusado por funcionárias de assédio sexual. Além dos grandes problemas de gestão, de economia e de infraestrutura, o Brasil ainda precisa evoluir muito nos quesitos da ética e do respeito, principalmente em relação aos direitos das mulheres. 

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