A ferramenta da transparência

A ferramenta da transparência

À medida que o tempo passa, a sociedade descobre novos valores, alguns com mensuração bem palpável, outros bem abstratos, mas nem por isso menos importantes ou de menor valor. De um jeito amargo, a grande empresa brasileira do setor de alimentos, BRF, ficou exposta à opinião pública quando, recentemente, teve seus processos de produção e de segurança alimentar questionados pela Polícia Federal e pela Justiça. A falta de transparência em quatro unidades e a suspeita de irregularidades custou à empresa um prejuízo bilionário e a perda de 20% do valor de suas ações. 

A mesma cobrança se faz dos órgãos públicos, das prefeituras, dos governos estaduais e do governo federal.  Um dos episódios que entrou para a história foi o escândalo da parabólica em 1º de setembro de 1994. Uma conversa que cruzou a tênue linha entre o público e o privado, protagonizada pelo então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, e o jornalista da Rede Globo, Carlos Monforte, seu cunhado, caiu no domínio público. Enquanto se preparavam para entrar ao vivo no Jornal da Globo, os lares brasileiros com parabólica captaram a conversa comprometedora e antitransparente. “Eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”, declarou o ministro Ricupero, referindo-se aos índices inflacionários.  A gravação da conversa foi amplamente divulgada pela mídia, culminou com a saída do ministro do governo de Fernando Henrique Cardoso que naquele mesmo ano, apesar dessa declarada manipulação dos índices inflacionários, venceria a eleição presidencial com tranquilidade em primeiro turno. 

Há na sociedade atual uma nítida mudança em relação ao valor da transparência, que de palavrinha secundária ganhou valor de mercado e até mesmo conotação de diferencial político. Pessoas comuns, empresas e governos se autoproclamam transparentes, embora se saiba que indivíduos e instituições públicas e privadas nunca desistem de estabelecer os limites da visibilidade de seus atos e ações. Contudo, de forma compulsória, o avanço da internet aumentou o grau de visibilidade das instituições e das pessoas físicas e jurídicas.  Por ser muito recente, o aprendizado sobre a transparência, seus riscos e consequências, ainda está na fase inicial. Justamente por isso acontecem tantas confusões, riscos e atropelos. A pressão social está impondo essa prática. Muitas empresas, órgãos públicos e usuários das redes sociais adotaram esse discurso moderno como fachada, mas ainda há muito a ser desvendado.

Mais cedo ou mais tarde, as novas tendências são enquadradas pela legislação. Na esfera pública, a lei nº 12.527/2011, que entrou em vigor em maio de 2012, demonstra que há apenas seis anos o acesso às informações foi oficializado e tornou-se assim uma obrigação para todos os órgãos públicos. A lei criou mecanismos para que qualquer pessoa, física ou jurídica, sem necessidade de apresentar o motivo, possa solicitar informações públicas. Foi assim que se tornaram públicos os salários de parlamentares, juízes, promotores, ministros e representantes do executivo. Até bem pouco tempo, a sociedade não tinha noção de que possuía esse direito. O fato de institucionalizar o acesso não significa que a batalha da transparência está ganha. No jogo político do esconde-esconde, parlamentares e detentores de cargos executivos seguem a máxima involuntariamente confessada pelo ex-ministro Ricupero de tornar público o que interessa e de camuflar o que é considerado ruim. Profissionais de imprensa estão no meio deste embate, mas como a própria lei deixou claro este é um direito que pode ser exercido por qualquer pessoa. O cidadão tem o direito de saber como a administração municipal gasta o seu dinheiro, quanto ganham os servidores públicos e quais são as despesas das empresas públicas. Por esse novo entendimento, o acesso virou a regra, o sigilo a exceção. Além do voto e da participação política, eis aí uma nova ferramenta fundamental para passar o Brasil a limpo, uma vez que a faxina iniciada há alguns anos ainda está muito longe de terminar. 

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