A fidalguia uruguaia

A fidalguia uruguaia

A prestigiada Economist escolheu o Uruguai como o país do ano. Mas afinal, o quê de diferente e especial viu a influente revista inglesa no pequeno país ao sul do continente com 3,5 milhões de habitantes e uma extensão territorial menor que a do Estado do Rio Grande do Sul? O Uruguai está espremido e, muitas vezes, hostilizado pelos dois vizinhos gigantes, Brasil e Argentina. De quebra, em seu território não há nenhuma grande riqueza mineral capaz de conferir prosperidade à nação. Para completar, no inverno faz um frio de lascar.

Bem, a pacata sociedade uruguaia através do parlamento tomou decisões ousadas, polêmicas e definiu questões que se arrastam há séculos sem solução mundo afora. O pequeno país se agigantou diante da opinião pública mundial, quando teve coragem para fazer experiências que servirão de exemplo para outros países. Arcará com o ônus de servir de laboratório para o mundo. Primeiro, a descriminalização do aborto, depois aceitou a união entre pessoas do mesmo sexo, o que na opinião dos defensores da norma pode trazer a felicidade coletiva sem custos financeiros para o Estado. Muito antes disso, o jogo foi liberado nos cassinos de Punta del Leste. A mais polêmica decisão foi a recente legalização do consumo da maconha. O Uruguai é o primeiro país do mundo a tentar regulamentar esse mercado, permitindo o consumo em pequenas quantidades e para o uso medicinal. Essa experiência será um teste para o mundo verificar se a legalização e o controle do Estado enfraquecerão o tráfico praticado por quadrilhas internacionais. Esse argumento já foi usado por dirigentes do mundo inteiro, no Brasil, pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas ninguém ousou colocar em prática. No laboratório das intrincadas experiências humanas, o Uruguai colocou a cara à tapa, dizendo para o mundo que devemos ser responsáveis pelas nossas opções.

O presidente José Pepe Mujica, um agricultor de quase 80 anos, é uma figura à parte, definido pela revista como corajoso, humilde e sincero, virtudes que são trevo-de-quatro-folhas na política nacional. Ex-guerrilheiro, socialista e ateu, vive de forma simples, possui o mesmo patrimônio desde que ingressou na política, vai para o trabalho no próprio Fusca, em viagens internacionais utiliza a viação comercial na classe econômica e doa 90% do salário para instituições filantrópicas. Da remuneração de 12.500 dólares, fica com 2.538, cerca de 6.000 reais, valor que considera suficiente para viver com tranquilidade. A maior parte dos uruguaios ganha menos do que isso. Há 40 anos é casado com a mesma mulher e seu sítio nas cercanias de Montevideo não tem vigilância própria. O Renan Calheiros, presidente do nosso Senado, bem que poderia fazer uma visita ao Mujica. Essa viagem pela FAB, a gente pagaria com prazer.
Contudo, os diferenciais do pequeno país não residem nas polêmicas medidas aprovadas ou na exótica figura do presidente. O que o Uruguai possui de mais virtuoso é a fidalguia, uma delicadeza e uma hospitalidade que estão em vias de extinção. Os uruguaios são apreciadores de uma boa conversa, enfrentam com serenidade as dificuldades econômicas e sabem extrair a felicidade de pequenos prazeres. A grande maioria vive em casas modestas, sem luxos ou ostentação. Assim, com essa sabedoria, o pequeno se torna grande, o pouco vira muito e a elegância repousa na simplicidade. Por lá, o tempo anda mais devagar do que por aqui. O povo cultiva a civilidade, cevando o chimarrão para espantar o frio, enquanto admira as praias da Capital. São mangrulhos para desvendar a vida e reencontrar a própria história tomando uma Nortenã gelada com um chivito na Colônia de Sacramento. Esta é a verdadeira contribuição do Uruguai para o mundo. Para descobrir tudo isso, basta viajar por uma semana pelo interior do país, apreciando muito e gastando pouco. A nossa moeda vale mais. Para desvendar a cordialidade da sociedade uruguaia, não há necessidade de cheirar maconha, basta deixar de lado encruados hábitos de vida. Ah sim, na Copa do Mundo, desde que o Brasil não esteja em campo, vale a pena torcer pela garra da Seleção Uruguaia.

Compartilhar: