
Filtros para o celular
O Tubby contra o Lulu. Fique tranquilo caro leitor. Se você não identificou de cara esses dois substantivos, saiba que se tratam das últimas “novidades” do veloz mundo dos aplicativos que, doravante, começam a comandar a vida aqui na Terra. Já havia aplicativos para escolher vinhos, ver onde tem blitz da polícia, para jogar conversa fora e outras “cocitas más”. No entanto, à medida que essas novidades surgem, a ética e o pudor são deixados de lado. Os dois aplicativos em questão, basicamente, instituem a lei das selvas no campo dos relacionamentos amorosos e afetivos. Nesse mundo virtual, com um leve click no celular, você pode “cassar” ou ser “cassado” como se fosse uma mercadoria com especificações. O aplicativo faz um insidioso ranking dos atributos e delimita, em quilômetros, se o objeto cobiçado está dentro da área de cobertura.Depois de séculos de opressão, as mulheres saíram na frente e baixaram o quentíssimo “Lulu”, uma novidade que veio dos Estados Unidos. Exclusivo para mulheres, como o próprio nome sugere, neste aplicativo, homem não entra, ou melhor, só se for para ser avaliado. Entre outras “funções”, o aplicativo permite que as mulheres, através de hashtags, classifiquem os caras que conheceram, ex-namorados, conquistas em potencial, garotos da vida, amigos e afins. Para que a empreitada não tenha erro, o programa oferece “filtros” que permitem encontrar garotos por faculdade, os mais divertidos, os que estão bombando no Lulu, os que têm maiores notas no app ou aqueles que estão ao alcance dos olhos. O sistema de avaliação conta com um questionário e diversas hashtags (frases marcadas pelo símbolo #) para descrever os homens. #NãoSabeApertarUmParafuso, #Babaca, #MaisBaratoQueUmPãoComManteiga são alguns exemplos publicáveis.
Embora o download do Lulu explicite que o aplicativo permite decisões “inteligentes” sobre os objetos do desejo, as avalições giram em torno dos dotes sexuais, do desempenho amoroso, da situação financeira e de outros atributos menos nobres do tipo hálito ruim ou algum defeito comprometedor. Na versão mais completa, o Lulu equivale ao manual de um carro com todas as especificações técnicas para a consumidora avaliar. É possível encontrar um cara engraçado, um sujeito meigo ou aquele que tem o beijo inesquecível. O grande diferencial do aplicativo, reiterado em todos os momentos da navegação, é a garantia das avaliações anônimas. Mesmo estando integrado ao Facebook, o programa assegura que a autoria dos comentários chocantes postados no Lulu jamais chegará ao mural da rede social ou aos olhos e aos ouvidos da vítima do comentário. O anonimato covarde abre caminho para a irresponsabilidade e as manifestações de vingança, de ódio e de agressividade. Outra “vantagem” é a possibilidade de “favoritar” (isso mesmo, nesse mundo da internet os substantivos logo viram verbos) e a internauta da vez será, devidamente, notificada sobre qualquer atualização interessante do seu objeto de cobiça.
Incrível como os seres humanos possuem imensas dificuldades para utilizar de forma racional as ferramentas que a tecnologia oferece. Na primeira esquina, a invenção descamba para a pornografia ou para a banalização das relações humanas. O Tubby é a retaliação dos homens ao Lulu em nível abaixo da linha da cintura. O jogo ficou tão pesado que o aplicativo masculino abriu a possibilidade para que as usuárias bloqueiem seus perfis para que homens não consigam fazer a avaliação. Neste libidinoso app, os homens restringem as avaliações, basicamente, ao quesito sexo. Criado por três desenvolvedores brasileiros, que não tiveram coragem de revelar a identidade, o programa permite que homens classifiquem mulheres com as quais já se relacionaram usando hashtags como “#GemeNaCama”, “#CurteTapas”, entre outras expressões impublicáveis. Quando se descadastra do perfil, aparece a mensagem: “fulana arregou e não está mais no Tubby”.
Não há dúvidas que a internet está cada vez mais presente na vida de homens e mulheres. Aplicativos como o Tubby e o Lulu, usados dessa forma grotesca, não contribuem em nada para a construção de relações mais consistentes e amorosas. Pelo contrário, servem apenas para reforçar estereótipos, padrões estéticos distorcidos e preconceituosos. Esses apps, que começam a ser largamente usados, principalmente pelos mais jovens, serão responsáveis pelo esvaziamento da essência das relações humanas. Nesse bárbaro frenesi tecnológico, os aplicativos nos conduzirão a um mundo fútil, leviano e irresponsável, sem ética, dignidade, consciência e comprometimento. Passou da hora de cada usuário filtrar melhor os aplicativos que instala no celular. Os pais também precisam filtrar a navegação dos filhos.
Murilo Pinheiro
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